Charretes e cavalos

CharretesNum desses domingos, senti estar diante de uma visão cinematográfica, como que um espetáculo irreal e fascinante. Eram dezenas e dezenas de cavaleiros, homens e mulheres e crianças, desfilando com seus belos e garbosos cavalos por uma das avenidas da cidade. Eles se haviam concentrado diante da Estação da Paulista e, numa festa singular, com roupas coloridas e apropriadas a caubóis despojados, lá se iam pela cidade, num desfile inusitado a olhos acostumados aos reluzentes carrões, caminhões e ônibus fantasmagóricos, motos irritantes.

Os cavalos nem sequer pareciam assustados com suas novas paisagens, como se se tivessem tornado senhores da avenida, transformada num descampado feito de asfalto. Na pista ao lado, os automóveis formavam filas imensa, ruídos de motores, algumas buzinas irritadas. Mas os cavaleiros se mostravam olímpicos e confesso ter sentido que, de alguma forma, eles zombavam de nós, escravos e vítimas dos veículos motorizados.

Não pense, o eventual leitor, tratar-se de nostalgia de velho escrevinhador, que andou de charrete na infância e também no lombo de cavalos. Nem apenas lembranças de jornalista veterano, que se recorda dos grandes tanques onde cavalos e burros das charretes bebiam água, um deles em frente à mesma Paulista, outro no Largo São Benedito, dos que me lembro. Não é saudade, nem nostalgia, nem apenas lembranças. Mas, sim e de repente, uma sensação de retorno, de retomada, de volta ao umbigo. Há, no ar, talvez por medo da tecnologia que maravilha e também assusta, uma tentativa de apego ao que se conhece. E o cavalo, ao lado do cão, é o animal que permitiu, ao homem, suas grandes conquistas nos espaços geográficos. Não haveria essa mesma história, não houvesse a participação fundamental dos cavalos. Incluindo as guerras. Pois, quando se inventou o estribo, mudou-se a guerra: havia sustentação maior para , com apoio nos pés, os guerreiros atirarem as suas lanças e flechas.

Morei, por alguns anos, numa última rua urbana, no caminho de Tupi. Depois da rua, havia chácaras, sítios, alguns condomínios isolados. Chamava-se Caminho 3, nome que sempre achei poético mas que, depois, algum vereador mudou, querendo agradar familiares de alguém que morara por lá. Naquela rua comprida, de casas simples, de chácaras, havia um supermercado que abastecia toda a área. E eu, criatura urbana, me encantava ao ver pessoas, dos sítios, chegando com suas charretes para comprar mantimentos. E homens que chegavam a cavalo, amarrando as rédeas num pedaço de madeira, fazendo compras, jogando o saco no lombo do animal e, enfim, saindo a trote rápido em direção a sítios vizinhos. Eu me via em outro mundo. E era.

Pois bem. Tenho pensado, seriamente, se não seria o caso de – diante do massacre dos automóveis, das filas imensas, do congestionamento sem fim e crescente – não começarmos a pensar nas pequeninas charretes, nos cavaleiros, meios de locomoção, nas cidades e em pequenas distâncias, muito mais inteligentes e racionais do que essas máquinas destruidoras do meio ambiente, neurotizantes, quase sempre criminosas. Penso nisso, até mesmo por mim mesmo, que começo a me sentir envergonhado por ter tudo o de que preciso num raio de apenas 600 metros: supermercado, farmácia, pronto socorro, posto de combustível, varejões, lojas, prestadores de serviços à antiga, como consertadora de roupas, sapateiro, até cozinheiras de pão feito em casa. Se eu andar um pouco, não preciso de carro. Mas, se tiver um cavalo ou uma charrete, poderei fazer tudo o que faço com mais comodidade. E com mais alegria, aquele sentimento suave de me sentir, acho, mais humano. Com o cavalo, seremos um homem e um animal. Com o automóvel, é a máquina sujeitando-me. Sei lá. Bom dia.

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