Juízo e bom senso

JuízoLembro que, com mais de 50 anos, tive que tirar meu dente do siso. E lá estava eu, todo jururu, com a extração do desgraçado e inesperado, então meu filho me falou: “Isso é bom, pai…Significa que você vai começar a ter juízo…” A vida é assim: com o tempo, os filhos se dão o direito de se tornarem pais.

Mas o tal dente do siso e mais o comentário de meu filho sobre juízo me deixaram pensativo. Juízo está relacionado a bom senso e este ao senso comum. Há algo mais horroroso do que o bom senso? E o que pode haver de pior, de mais mediocrizante, de mais nivelador do que o senso comum, o tal do consenso? Lembro-me de que, há mais de 30 anos, o Sebastião Ferraz – esse homem que revolucionou, pela primeira vez, ainda no início dos anos 50, o jornalismo gráfico em Piracicaba – me falou algo que me incomodou muito e que se tornou causa de nossas muitas e intermináveis discussões, brigas que terminavam com o chopinho lá no antigo “Hernani” – onde está parte do Bradesco – ou no próprio rancho do Ferraz, ai que saudade. “Jornalismo é bom senso.” – dizia-me o Ferraz, tentando domar o proto selvagem que eu era, um potrinho ainda quase imberbe.

Hoje, eu diria a mesma coisa para os que se iniciam no jornalismo. Mas eu não acredito nisso e nem o faço. Ou jornalismo é paixão ou é simples agenda de acontecimentos, relatório de informações. Jornalismo tem que ser laboratório de idéias, usina de pensamento, trincheira de resistência, rebeldia diante de situações e estados definidos e, portanto, quase sempre esclerosados.

Se um jornal acompanhar o consenso, para que serve um jornal? Torna-se nada mais do que porta voz das instituições e do poder, pois poder não é apenas o que está legitimamente constituído, mas o dominante, o das classes dominantes. São os poderes dominante, que estabelecem o consenso, do qual se servem, pois o criam exatamente para dele se servirem.

Ora, depois que meu filho falou, por causa de meu dente do SISO, que isso era bom, pois significava que, segundo ele, eu começaria a ter juízo, fiquei preocupado. Não é bom ter juízo, ser ajuizado. Isso incomoda, esteriliza, cria os cotidianos insuportáveis e, pior que tudo, mata os sonhos.

É preciso nadar contra a corrente, para não ser arrastado por ela. Se Colombo ouvisse o consenso, se tivesse juízo e bom senso, não iria por mares desconhecidos e não teria descoberto a América. Ora, a vida são mares desconhecidos. Com juízo, nada se descobre. Bom dia.

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