Marcha da maconha

Marcha da MaconhaDe uma certa maneira, penso que o Brasil está vivendo destemperos de uma apenas conturbada adolescência democrática. Democracia, em países maduros, não tem nadas a ver com o que, aqui, estamos presenciando. Pois parece que, por ela, entende-se a bagunça total, que se justifica por falsas noções de liberdade. Democracia, pelo contrário, implica responsabilidade profunda perante a lei, direitos estabelecidos, vontade da maioria e respeito pelas minorias. Aqui, o processo está invertido: asseguram-se direitos de grupos minoritários, em desrespeito ao pensamento da maioria.

Insista-se: há que se respeitar as minorias, todas elas. Desde, porém, que elas respeitem leis, códigos sociais, estruturas majoritárias. Pelo andar da carruagem, quem vê o Brasil – e começa a ser imagem aceita no exterior – parece enxergar um país do vale tudo: vale a corrupção de autoridades, vale a corrupção de instituições, vale prostituição liberada, vale consumo e tráfico de drogas, vale invasão de terras, vale desrespeito a princípios universais. Para valer, é como se bastasse fazer uma passeata, uma marcha, uma festa em ruas e avenidas.

Fernando Henrique Cardoso se tornou – com críticas até mesmo da ONU – um dos principais patrocinadores da descriminalização das drogas para consumo próprio. Isso foi e tem sido um estímulo a movimentos, a passeatas, a reivindicações mais intensas para se liberar as chamadas drogas leves. Ora, sabe-se que são elas – drogas leves e, em especial, a maconha – a principal porta para o ingresso no universo de drogas que se vão revelando cada vez mais mortais, uma epidemia de dependentes, de viciados em cocaína, em crack, sem nos esquecermos das multidões de alcoólatras e de fumantes, de prostituição crescente e de jogatina desenfreada.

Qual o sentido de se autorizar uma marcha em defesa da maconha? Seria o fato de sermos uma democracia apenas adolescente? Ora, uma sociedade que se permite ser minada por sua própria tolerância ou leniência diante das leis é sociedade destinada ao suicídio. Seria formidável se nossos homens públicos se lembrassem de que a organização social com definições espirituais e morais claras é que constrói o mundo em que vivemos. É o que se chama de cosmo social. Quando se tenta criar a homogeneidade total nada mais fazemos, na realidade, do que criar a confusão social, o caos, oposto ao cosmo social.

Um povo e uma nação fazem-se com suas virtudes, não com seus vícios. Diante destes, há que se trocar a leniência e a falsa tolerância democrática por sérias, graves e constantes campanhas de educação, de formação, de orientação em especial à juventude. Se a cada vício, a sociedade ceder por força de passeatas e movimentos, estaremos formando um mundo em que as virtudes humanas – que existem na maioria do povo – serão condenadas como algo superado e retrógrado. Já estamos diante disso, com provas cada vez mais eloquentes, com testemunhos cada vez mais alarmantes de que chegamos ao vale tudo e, portanto, à instalação de um tempo e de uma terra sem ordem e sem leis. E se, amanhã, diante da derrota das autoridades face ao crack, houver passeatas em defesa de seu uso pessoal?

A democracia é construção passo a passo, lenta e sólida. No Brasil, na ordem moral, parece estarmos desconstruindo o que ainda nem sequer foi reconstruído após a derrocada que nos impôs a ditadura. Octávio Mangabeira dizia da plantinha tenra que ser adubada a cada dia. Na democracia, não cabem concessões à violação de valores e conceitos que formam uma nação séria e um povo digno. Essa marcha da maconha nada mais foi do que outra grande, imensa palhaçada num país que, a cada dia, parece mais gostar de palhaços e palhaçadas. Bom dia.

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