Belo e ar puro.

Muitos haverão de dar ênfase à vaia que o público, no Maracanã, ensaiou ao Presidente Lula. Se assim for, será ver a floresta e não ver a árvore. Ou ver a árvore e não ver a floresta. Nelson Rodrigues, na sua sabedoria ainda hoje decantada, prevenia-nos: “Brasileiro vaia até minuto de silêncio.” E assim é. Da mesma forma como brasileiro, apesar dessa penitência cíclica, se mantém acima de vicissitudes, de contingências, de tragédias pessoais e coletivas – como se nos fosse inevitável esse consciência de grande destino. O problema está nas amarras, que sempre existem, que se repetem, que adiam o presente para um futuro sempre distante, às vezes tão distante que chega o cansaço de esperá-lo.

Nem Lula e nem seus principais assessores, ao que parece, tiveram um mínimo de sensibilidade para apreender, para compreender, para perceber a admirável dimensão lúdica da alma brasileira. Se a vida, na mais dura realidade, é um jogo, a vida do brasileiro são muitos jogos ao mesmo tempo. E, por isso, talvez, tenhamos tantos deuses reunidos num só, no sincretismo de nossa riqueza religiosa que se estende ao cultural como um todo. No Maracanã, à abertura dos jogos Pan-Americanos – e, sintomaticamente, quase à sombra do Cristo Redentor, transformado em uma das Sétimas Maravilhas do Mundo – tivemos uma réplica poderosa do Olimpo grego: todos os deuses reunidos. E manifestando-se. E devolvendo, ao brasileiro, o maior de todos os tesouros da vida, ultimamente esquecido ou apagado: a beleza. O belo salvará o mundo, foi uma das heranças deixadas na obra dostoievskiana.

Há alguns anos, convenci-me disso, talvez finalmente vencido por essa universal alma brasileira, que palpita nos morros, nos campos, no caos das cidades, até mesmo onde pensamos imperar a violência e a brutalidade. Essa alma vive do belo. E é o belo, nas suas múltiplas formas e manifestações, que move o povo brasileiro: o belo nas arte, o belo nos esportes, o belo na tolerância, o belo também na cordialidade. Esta mesma, a cordialidade, tem sido contestada, como se a violência dos tempos e a brutalidade urbana tivessem-na desmascarado como farsa, ou, então, a houvesse matado. Mas ela existe e está viva: cordial, cordialidade são coisas e atitudes do coração. E o coração brasileiro, no Rio de Janeiro, se mostra escancarado, aberto, palpitante, vivo, sangrando beleza.

Lula – e qualquer outro política – teria que ser vaiado, sim. Porque, na beleza do espetáculo – de tirar o fôlego e de trazer sopros de ar puro à alma nacional – não havia lugar para político. Para nenhum deles, especialmente pelo cansaço coletivo, pela fome de beleza, pela sede de água limpa, pela busca de paisagens que nos devolvam o encanto por este país realmente abençoado por uma conjunção de deuses que se juntam, em graças, diante de Um só.

Há, pois, que se acreditar na beleza. E que apostar-se nela, apostando no belo como ressurreição e como renascimento. Chegamos ao fundo do poço. Agora, nada mais resta senão emergir, voltar à luz, ao ar, ao sol. Políticos nada tinham a fazer no Maracanã, na abertura da beleza Pan-Americana. Eles, quase sem exceção, são a feiúra de nossos tempos. Se a beleza salva, a feiúra condena.

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