O médico e o monstro

4bm4sga57l_4a9u1a3f3c_file         De todos os animais, o ser humano continua sendo o que mais desafia o entendimento e a compreensão de sua própria espécie. O bicho-homem é desconcertante. E, quanto mais se avoluma em número, em quantidade, mais se descobre a sua imensa potencialidade tanto para o bem quanto para o mal. O porquê de sua existência, entre as outras espécies da Terra, fica, também, em suspenso.

Religiosos têm, em meu entender, a explicação mais frágil e pouco dignificante:”O homem nasceu para amar e louvar o seu Deus aqui na Terra e gozar de suas delícias em outro mundo.” Não tem pé nem cabeça, pelo menos em meu entendimento. Pois se há um Deus que inventa suas criaturas para ser amado e adorado por elas, esse Deus é, no mínimo, um narcisista. Logo, para mim, essa explicação não vale.

Cientistas há que, por outro lado, dizem o homem ser uma entropia da natureza. Ou seja: houve uma desordem no sistema e a proposta inicial foi desfigurada. Nesse sentido, o surgimento do homem bagunçou tudo, de forma que a criação entrou em parafuso. Para alguns, o novo ser, o humano, se revelou a maravilha da criação. O mais inteligente, o mais criativo, o mais especial. Para outros, um estranho e um indesejado no concerto da natureza, um predador irresponsável. Sendo uma criatura instável – capaz de tudo, imprevisível em suas atividades – o homem, mesmo estando entre os animais mais ferozes, passou a ser o mais destruidor deles. Um louco, digamos assim, pois capaz de rasgos imensos de generosidade e fúrias incontroláveis de perversões destruidoras.

Confesso ter, sempre em mente, aquela afirmação do filósofo Terêncio na qual ela diz que, por ser humano, nada do humano lhe é estranho. Fico confuso. Pois sou humano e, em especial nos últimos tempos, quase tudo do humano me é estranho. Sei das brutalizantes contradições, sei da existência do anjo e do demônio numa só pessoa – mas ainda estranho. Aquela célebre história do Médico e do Monstro – dr.Jeckyl e Mr.Hyde – mostra como o horror e a bondade podem conviver numa só pessoa. Na literatura, tornou-se como que um símbolo da complexidade para se entender o ser humano.

Como pode a humanidade ter produzido um Gandhi e um Hitler? Não há explicações a não ser, talvez, a de que a entropia continua agindo e o resultado dela está longe de se concluir. Assim, a humanidade de nossos tempos estaria, apenas, um estágio absolutamente ainda primário de formação. Até – ou especialmente – as fenomenais conquistas científicas acabam sendo usadas para o mal.

Tais reflexões, ainda as faço a partir, agora, de nosso dr.Jeky e Mr.Hyde caboclo, esse médico e monstro de nome Roger Abdelmassih. Como explicar, como entender, como compreender? Uma inteligência brilhante, um profissional altamente reconhecido por seus conhecimento e competência, eis que esse Dr.Jeckyl abandona as suas virtudes para se tornar um miserável e repulsivo Mr.Hyde. Por quê? Como essa loucura acontece?

Ora, estou no meu tempo pessoal de, diante do que parece complexo, buscar a simplificação. Ou seja: a vida é mais simples do que as nossas tantas e quase sempre inúteis especulações. Assim, mais importante do que saber o porquê do que o médico fez, é fundamental saber que ele fez. E o fez repetidas vezes, o que anula a hipótese da emoção irresistível de forma a poder substituí-la por compulsão permanente. Abdelmassih, em visão simplista, está, ainda, na escala primária dos primatas. Logo, é um animal. E animais devem ser tratados como animais: em vez de educados, têm que ser amestrados; em vez de civilizados, têm que ser domesticados. Ninguém amestrou ou domesticou Abdelmassih.

A lei, para ele, não é a dos códigos da estrutura jurídica humana. Abdelmassih tem que ser julgado e olhado pela Lei de Proteção aos Animais. E esta exige que se use a técnica do medo. O animal, se não temer, fica mais feroz. O homem – se não tiver o medo e o respeito pela lei – viverá o seu lado animal. Sem medo, a impunidade prevalecerá. Se Abdelmassih fosse tratado como animal a ser domesticado, o medo haveria de impedi-lo de agir com tanta tranqüilidade. Bom dia.

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