Piracicaba precisa parar

Planejamento urbanoJosé Carlos de Figueiredo Ferraz foi, como engenheiro, um dos grandes gênios brasileiros. Foi o homem que conseguiu harmonizar sensibilidade social com objetividade científica. Ao ingressar na política, levou-lhe os seus valores humanísticos. Era, porém, o auge da ditadura militar, feroz, implacável. No governo Médici, pregava-se o “milagre brasileiro”, entusiasmo desenvolvimentista, ufanismo nacional alimentado pela conquista da Copa do Mundo de 1970. Era o Brasil do “Ame-o ou deixe-o”. E o novo hino nacional imposto era o “Prá frente, Brasil.

Figueiredo Ferraz – nomeado prefeito de São Paulo em 1971 – divergiu daquele ufanismo inconseqüente, que, entre os paulistas, se resumia, também, na expressão irrealística: “São Paulo NÃO pode parar!” O engenheiro humanista teve lucidez e clarividência para prever o caos. E, contrariando o ritmo desvairado do falso desenvolvimento brasileiro, mostrou o outro lado da moeda: “São Paulo PRECISA parar de crescer.” Resultado: por ordem dos militares, o então governador Laudo Natel demitiu-o do cargo de prefeito. Figueiredo Ferraz foi como a criança da fábula, a única a ver que o rei estava nu. Mas sua percepção permanece viva até hoje, como se fosse um novo lema: “São Paulo PRECISA parar.”

São Paulo transformou-se nesse monstro impossível de ser controlado. E a falsa euforia – acompanhada da estupidez, da ganância e do despreparo dos governantes – repete-se em Piracicaba. Não é desenvolvimento ao que estamos assistindo. É inchaço, descontrole, crescimento de um corpo que se vai tornando monstruoso. A ganância e a irresponsabilidade de governantes, a impotência de uma Câmara de Vereadores submissa e medíocre, a gula insaciável de alguns setores empresarias, a falta de visão,  de previsão – e, portanto, de planejamento –  já transformou Piracicaba num filhote de monstro cuja alternativa é clara: agigantar-se na crueldade ou morrer do próprio veneno.

Desenvolvimento é o movimento em direção ao melhor. E o verdadeiro desenvolvimento é integral. Tal e qual o progresso, que não existe se não estiver em busca de objetivos éticos. Piracicaba, nas últimas décadas, não foi em busca do melhor. Nem de um progresso verdadeiro. Pois não houve objetivos, senão movimento de gulas e apetites. Fomos, desde os tempos do Império, uma cidade que acolheu imigrantes e soube conviver com eles. Nesta era de estupidezes puramente mercantilistas, tornamo-nos atração para os que, erroneamente, buscam um lugar ao sol. E são poucos os que o encontram. Daí, então, as periferias conturbadas, abandonadas, cada vez mais excluídas, num inchaço absurdo que impele – na desesperada procura de sobrevivência –  à atração pelo crime e pela desordem.

Quais os benefícios que a estupidez desse crescimento desordenado e irresponsável trouxe a Piracicaba? E para quem? Tornamo-nos um povo fragmentado, resultado natural da ganância em nome do desenvolvimento. Mas não admitimos a verdade cujo clamor até as pedras ouvem: permitimos o surgimento de situações que não têm solução! Isso mesmo: não tem mais solução! E uma delas – talvez a que seja o grande obstáculo  para resolver outras –  é o trânsito, a mobilidade urbana. Pois mente e engana quem disser que há solução a curto ou médio prazo. Não há. Piracicaba está parada nas ruas. Se não se voltar à cultura que prioriza o ser humano, seremos mortos pela cultura que objetiva, primacialmente, automóveis e bens apenas materiais. Educar o povo, eis como reiniciar.

As cidades surgiram, primeiro, como Necrópolis, lugar onde se enterravam os mortos queridos. Para se estar próximos deles, famílias buscaram agregar-se perto dos “campos sagrados”. Surgiram as aldeias, depois as cidades, lugares de viver, de amar, de criar filhos, de trabalhar, de vida comunitária. À medida que cresceram, houve cidades que se tornaram Metrópolis, como São Paulo. E, crescendo ainda mais desordenadamente, passaram a ser Megalópolis, também como São Paulo.  A partir daí – lembrou-me um arquiteto e urbanista altamente competente – voltarão a ser Necropólis, pois a população irá abandoná-las. Serão as Cidades Mortas. Detroit tem sido um exemplo disso.

Piracicaba precisa parar. Porque ainda há alguma possibilidade. Se não parar, estamos alimentando uma  futura Necrópolis. Bom dia.

2 comentários

  1. Antonio Carlos em 27/01/2014 às 18:14

    Isso. mesmo Cecílio. Em menos de dez anos mudaram a vocação da cidade. Ficou igualzinha às outras: inchada, doente, grisalha, violenta, árida e sem vida. Virou uma arena onde o poder econômico disputa seus despojos. Isso graças a um prefeito que fez o que quis e como quis porque não encontrou oposição, não foi questionado pela câmara, pelos sindicatos, pelas igrejas, pelas ONGs, pela imprensa e pelas universidades. Portanto este monstro que está aí é obra dele e de todos os que se calaram, principalmente a população que o apoiou maciçamente porque entende mais de novela que de desenvolvimento. Agora reclama, porém se ele voltar (Deus nos livre) é bem capaz que ganhe porque em terra de cegos quem tem um olho reina.

  2. José C. S. Gomes em 20/08/2014 às 10:44

    Atualíssimo esse debate, a cidade de São Paulo dá claros sinais de esgotamento e ninguém parece querer enxergar. Sem parar de crescer a cidade vai buscando água a uma distância cada vez maior (hoje já a quase 100Km de distância), como se isso fosse eternamente possível. O novo prefeito de SP é apenas outro de tantos cegos para esse tema estrutural o qual também não é de agrado das empreiteiras. E o Governador do Estado, que deveria chamar a discussão para si, por envolver diversos municípios, discute apenas os temas que estão no topo das questões eleitorais, de um eleitorado incapaz de enxergar um tema tão importante. Parar de crescer uma cidade num país como o Brasil não é impossível. É deslocar o crescimento para outros locais de forma planejada e estruturada, abrindo sim possibilidades de prosperidade sem criar os problemas incontornáveis como aqueles que se estão criando. Até o antigo prefeito Maluf que desejava deslocar a capital para o interior (presumivelmente por motivos menos nobres) também já dizia que São Paulo precisa parar. Só um cego não vê.

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