“Preta, pobre, evangélica…”

MarinaJá aconteceu algumas vezes na vida política brasileira nestes últimos 60 anos: candidatos messiânicos, desfraldando frágeis – ainda que algumas vezes sinceras – bandeiras de moralidade, naufragaram nas próprias águas turvas em que navegaram. Desde o governo constitucional de Getúlio Vargas – quando a UDN se apresentou como a guardiã da moralidade política – o fenômeno se repete. E, sempre, em torno de figuras messiânicas. O próprio Lula assumiu esse papel, sendo salvo por um carisma próprio e especial e por circunstâncias que a história ainda irá avaliar.

O Brasil – ao se deixar viciar por esse discurso moralista – enfrentou as mais sérias crises institucionais e acabou aceitando até mesmo uma ditadura. A desculpa foi sempre a mesma: combate à corrupção, renovação política, reformas. Tudo naufragou, pois não havia mais do que um discurso eleitoral. Carlos Lacerda foi o tribuno da moralidade que conseguiu derrubar dois presidentes: Getúlio Vargas e Jânio Quadros. E este, Jânio, o moralista-mor, revelou-se a maior farsa da vida pública brasileira, mergulhando o Brasil no caos e escancarando as portas para que se consolidasse a aliança entre o poder econômico e os militares.

Ainda é cedo para se avaliar o fenômeno social que alçou Marina da Silva a uma popularidade realmente notável. Racionalmente, pouco ainda se explica, pois a vida pública de Marina se pautou exatamente por um discurso moralista, abstrato, permeado de inspirações religiosas. Mais próxima de uma pregadora messiânica do que de um ser político, Marina destacou-se por suas convicções que – a princípio, cativantes – acabaram revelando-se radicais e exacerbadas. Seu personalismo tornou-se evidente ao não conseguir – como animal político –  adequar-se aos partidos em que militou, o PT e o PV, assumindo a responsabilidade de construir uma agremiação própria, conforme sua imagem e semelhança. A sua Rede não deu certo. Por enquanto.

A morte trágica de Eduardo Campos – um desconhecido para a grande maioria dos brasileiros – trouxe o tônus emocional que alavancou essa segunda fase de Marina Silva em sua ambição presidencial. Mas qual Marina se tornou candidata? A radical e extremista da Rede, ou a indecisa e incomodada do PSB, partido de Eduardo Campos? Aos poucos, isso vai-se revelando e Marina Silva – mostrando-se cada vez mais insegura, aturdida, sem rumo a não ser o de suas convicções morais – permite surja  a figura frágil, ressentida, feita de mágoas que seu messianismo escondia.

Ora, o jogo político é rude e cruel. Todos os idealistas puros ou ingênuos que dele participaram não conseguiram enfrentá-lo. A realidade política é completamente outra da realidade do cotidiano de um cidadão. Os valores mudam, pois o jogo tem outras regras. Enquanto, na vida pessoal e em sociedade nós nos comportamos por uma ética da convicção – que nos foi plenamente explicada por Weber – a política exige a ética do resultado. E é esse resultado que, por fim, impõe normas, regras, acertos, composições que, no cotidiano das pessoas, são tidas e vistas como imorais e amorais. Por mais triste seja, esta é a realidade. E, por isso, o povo tem a sua definição própria de política: “A arte de engolir sapos”. Quem não tiver esse estômago ou esse apetite não deve entrar na política.

Ao alegar estar sendo perseguida – e receber críticas não é perseguição – por ser “preta, pobre e evangélica”, Marina Silva se agarra a seus próprios problemas pessoais, a ressentimentos e fragilidades que não a credenciam para a dureza do jogo político. Mal comparando, seria como se participasse de um jogo de futebol e acabasse indignando-se por receber caneladas ou cotoveladas: “Assim, não jogo mais.” Ora, se a própria Marina declara – enfática e peremptoriamente – que não irá governar com apoio de Sarney, de Maluf, de Renan, de Collor, já selou o seu destino: se eleita, não irá mesmo governar. Pois, na democracia, não se governa com pessoas, mas com partidos políticos. E, desgraçadamente, no Brasil, os partidos são uma farsa e uma ficção, para não se dizer que verdadeiras camorras. É esse sistema que precisamos mudar e não o faremos com candidatos messiânicos e nem com as regras atuais.

Essas choramingas de Marina Silva – fazendo-se de vítima por ser “pobre, preta e evangélica” – revelam a concreta personalidade da candidata: uma missionária que, entrando na política, é frágil e despreparada para o duro e cruel embate do poder. Marina Silva pode, sim, ser excelente líder para uma cruzada popular moralizadora. Mas, como candidata à presidência… É outra gazela na cova dos leões. Ou ela acreditou que, com palavras, pudesse domar as feras? Bom dia.

2 comentários

  1. Vardir Chamma em 17/09/2014 às 10:56

    Cecílio, EXCELENTE (com maiúscula mesmo) o seu artigo que acabei de ler. Você acertou na mosca! Para ser “preta, pobre e evangélica” e atingir o “Reino do Céu” só faltaram as asas de anjinhos de procissão. Marina nunca deixará de ser a defensora do pastor Marcos Feliciano, seu companheiro da Assembleia de Deus o qual teve a coragem de dizer que “os gays são doentes e os descendentes de africanos amaldiçoados.” Vardir

  2. Delza Frare Chamma em 17/09/2014 às 11:46

    Bravos, Cecílio! Sua análise de hoje sobre essa mulher que afirmou ser protegida pela Providência Divina, por não estar naquele avião que caiu, esta sensacional. Essa senhora faz uso do moralismo como arma a fim de promover nova aventura política, em nosso País, já não bastassem as duas em que entrou o povo brasileiro “varrendo” os corruptos com Jânio e “caçando” os marajás com Collor. Quem sabe agora, com a busca dos “bons”, onde quer que eles estejam, para formar seu governo junto ao capital financeiro e os grande bancos, ela consiga chegar ao poder pelo qual traiu companheiros e partidos a vida inteira. Seu grande ego só a tem levado à traição. Ao se sentir a predestinada torna-se natural a ela mudar de opinião a cada momento em que se sente atacada e com medo de perder. Foge então à discórdia e à crítica se desdizendo e se vitimando. Aí está o perigo! Esse medo leva à uma dissimulação perigosa por ser falsa. A História, com seus exemplos nos faz desconfiar de pessoas com grandes egos e grandes ressentimentos misturados a uma ambição sempre disfarçada. Sua crônica nos fez lembrar disso.

    Marina Silva é assim. Simples assim.

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