Sigilos, dossiês, telhados de vidro

SigilosA impressão que me dá é a de que, nas redações dos principais jornais e revistas brasileiros, a pauta não é mais feita por editores, redatores, diretores, mas por forças externas. Vivemos tempos jornalísticos em que, na maioria dos veículos, a palavra principal é a do departamento comercial e de publicidade. Aliás, conheci casos em que instituições oficiais enviavam, ao departamento comercial, textos de seus interesses, que eram medidos por centimetragem, faturados e, depois, enviados diretamente à redação. Colunas sociais são elaboradas, na maioria das vezes, a partir de matérias pagas, com reportagens autorizadas pelo departamento comercial.

Se há palavra que detesto e que não consta de meu vocabulário, esta é mídia. Se tenho que usá-la, faço-o pedindo o perdão da palavra. Pois se trata, na realidade, de uma macaquice brasileira, muito mais por ignorância do que imitação. A palavra mídia corresponde à pronúncia estadunidense da palavra “media” (meios), plural de “médium” (meio), de origem latina. Nos Estados Unidos, ao se referir ao latino “media” – meios, p usado para veículos de comunicação – fez-se a pronúncia inglesa. E a “media” latina, que o brasileiro entenderia com clareza, se transformou em “mídia”, que ninguém sabe o que é. E, talvez por não se saber o que seja “mídia”, é que meios de comunicação deixaram de existir com a seriedade anterior e histórica.

Pois bem. Há um complexo nacional de veículos impressos e eletrônicos – jornais, revistas, rádios, tevês – que de tal forma se uniram em torno de um mesmo projeto político editorial que se torna, ao mesmo tempo, assustador e desprezível pelo desrespeito à inteligência do leitor. Pode-se – ou posso eu, veteraníssimo jornalista, da velha escola – dizer que já não se faz mais jornalismo como antigamente. Pode-se até prever o que será a manchete de alguns jornais e revistas a partir do noticiário anterior de algumas emissoras de tevê. Tudo o que se oculta em um, oculta-se em outro. Tudo o que se enfatiza neste, será enfatizado por aquele.

Este final de campanha eleitoral – por sinal, uma das mais mornas, chatas e desinteressantes de todos os tempos – se transformou num desesperado abrir de baterias contra a vantagem impressionante, e imprevisível, da candidata Dilma Roussef, que a mesma tal de “mídia, com o perdão da palavra, julgou um poste. O desespero é tal que parece que não há mais partidos políticos e, sim, uma imprensa com candidatos próprios e contrária a outros. Os efeitos passaram a ter mais importância do que as causas. O acessório e o discutível tornaram-se mais importantes do que o fundamental.

Veja-se, por exemplo, a tentativa de escândalo nacional a partir do sigilo bancário e fiscal de alguns políticos. Ora, o sigilo bancário das pessoas comuns, a inviolabilidade de sua correspondência, de seus telefones, etc., é indiscutível. Mas deve-se, sim, discutir se políticos e candidatos devem ter toda essa impunidade e inviolabilidade, quando estão pleiteando cargos públicos. Um candidato deveria tornar disponível, a qualquer cidadão, suas declarações de imposto de renda, seus bens, suas contas bancárias, suas participações societárias, não apenas as que ele declara mas as que ficam camufladas por algum pretenso direito. Um político não pode ter imunidades que sejam negadas a cidadãos comuns. Pelo contrário, deve estar sujeito a uma legislação mais rigorosa e exigente.

O incrível – nessa orquestação da tal mídida, novamente com o perdão da palavra – é a referência a existência de dossiês. A tal mídia se rebela se eles existem ou se há quem deseja existam. Mas o que há nos dossiês, o que eles contêm, o que escondem? E os segredos de justiça, que privilegiam políticos? E as celas especiais? De homens públicos e candidatos e dos eleitos, há que se exigir mais do que ao cidadão comum e, se houver que puni-los, a punição deveria ser ainda mais pesada.

O que estranha, nesse desespero da imprensa e nos candidatos em desvantagem, é que se está esquecendo algo fundamental em qualquer polêmica, em qualquer campanha, em qualquer agressão: o telhado de vidro. No desespero, estão sendo abertas as portas para reviverem-se casos engavetados ou sobre os quais se silenciaram, como máfias de ambulâncias, do sangue, das casinhas, compra de votos de deputados para reeleição, vantagens em privatizações, mordomias de filhos de governantes que não sejam apenas os do presidente Lula.

Se a tendência das pesquisas, mostrando a vontade do povo, prevalecer, a situação da tal “mídia”, com o perdão da palavra, será a da desmoralização completa. E quando a imprensa, num país, perde a credibilidade, o povo fica ainda mais indefeso. Como é triste não se fazer mais jornalismo como antigamente! Bom dia.

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