Variações e um tema.

VariaçõesHá um livro de, para mim, difícil leitura mas fascinante: “Variações Goldberg”. A partir dele, toma-se conhecimento de todo um emaranhado da vida de Goldberg, cravista, aluno de Bach. Lendo-o, foi quando, pela primeira vez, fui apresentado a Goldberg. E compliquei-me. Pois, se a música me apaixona, nada entendo dela. Os ouvidos até me ajudam, a intuição indo ao encontro de cada som. Mas nada sei de teoria, de técnica. Recordo-me de que, aos seis anos, apaixonado por música e tendo minha irmã como professora de piano, ficava tocando de ouvindo, mas querendo aprender. Ela me mandou comprar um caderninho de pauta, começou a me ensinar. Depois de algumas aulas, ela me levou ao piano, mandou-me tocar e foi quando minha carreira acabou: eu não lia nada e tocava tudo de ouvido. Ela sentenciou: “Você nunca irá aprender música”. Fiquei apenas com o ouvido e a paixão.

Por isso, ao ser apresentado a Goldberbg, atrapalhei-me: pensei que variações, em música, fosse o mesmo que fuga. Mas não é. Uma fuga de Bach não é o mesmo que variações de Bach. Atrapalhei-me. Quis no, entanto, aprender a diferenciar, a entender, percebendo ser mais complicado do que eu imaginava. Mas mais encantador, pela genialidade, pela fulgurância de quem o faz. O livro “Variações Goldberg” me empolgara, apesar de toda a complicação. E, algum tempo depois, assisti a um filme sobre a vida do pianista Glenn Gould, que chegava ao sublime exatamente na execução das “Variações Goldberg”. A fascinação aumentou.

Há alguns dias, pouco depois de meu aniversário, recebi um pacote pelo correio. Quem mo endereçara fora o meu querido Araken, o Araken Martins, esse artista refinado que se ocultou do mundo e cujos traços e cuja pintura continuam sonegados a tanta gente. Quando abri o pacote, era a coleção completa de Glenn Gould, iniciando-se exatamente pelas “Variações Goldberg”. E se fui, desde a infância, apaixonado por Bach, agora Bach está morando comigo em todos os momentos do dia, inundando minha casa de encantamento e burilando-me a alma, purificando-a, como se meu corpo fosse apenas o continente dela, um invólucro para abrigá-la.

Penso nessas coisas especialmente agora, quando uma jovem jornalista de tevê me deixa após a longa entrevista para o seu programa. A moça me disse não saber o que lhe estava acontecendo pois, durante a conversa, no silêncio e no jardim, ela começara a se sentir pacificada, mais calma. Eu, então, lhe apontei, num canto da varanda, uma caixinha de som. A paz vinha daquela caixinha, que aspergia Bach pelos nossos ambientes, confundindo-se com cantares preguiçosos de passarinhos ao entardecer, com o silêncio das coisas que se aquietam no Inverno. A moça começou a falar da violência lá fora, das guerras pessoais, do barulho infernal, da truculência. E entendeu, enfim, o que eu quero dizer, agora cada vez mais insistentemente, ao afirmar não haver saída alguma para o ser humano senão através do belo.

Por isso, existem, ainda, jardins de mosteiros. Cada qual que crie o seu. Bom dia.

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