“Vergonha na cara…”

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Ouço falar de corrupção em política desde a meninice, durante a ditadura de Getúlio Vargas. O governo constitucional do Presidente Dutra parece, pelo menos publicamente, ter sido uma exceção. Mesmo  assim, a seriedade era creditada a Dona Santinha, primeira dama, mulher dele e católica radical. Dona Santinha era daquelas puritanas de espantar qualquer demônio.

Por causa dela, Eurico Dutra proibiu o jogo no Brasil, colocou na ilegalidade o Partido Comunista. Para Dona Santinha – não se perca pelo nome! –  comunista comia criancinhas. E o jogo era um destruidor da família brasileira. Quanto aos bastidores do governo,  confesso não saber nada. Eu tinha menos de 10 anos.

Clamorosas denúncias de corrupção serviram como principal mote para as oposições tentarem derrubar governos. Foi assim com Getúlio Vargas, em seu retorno constitucional ao poder,  levando-o ao suicídio. Com Juscelino Kubitschek, não houve dia no qual jornais deixassem de divulgar escândalos, negociatas, corrupção desabrida. Aliás, foi no governo JK que um pequeno empresário e caminhoneiro, de nome Sebastião Camargo, ganhou destaque. Com ele, nasceu a empreiteira Camargo Corrêa. E o casamento, até aqui inseparável, entre políticos e empreiteiros.

Durante a ditadura, não houve denúncias, por força da mudez obrigatória da imprensa. No entanto, nos bastidores comentavam-se os grandes negócios surgidos da aliança entre militares e empresários. Um dos alvos mais visíveis era o Ministro Andreazza. E nenhum titular da Fazenda ou do Planejamento escapou. Mas como se sabe, em todo esse vasto período, ninguém foi para a cadeia. De que me lembre, apenas um bobalhão,  governador do Paraná, Leon Perez, foi flagrado com a boca na botija. Prisões, prisões de verdade aconteceram por motivos ideológicos, os subversivos.

A luta contra a corrupção na política é necessária. Mas, na realidade, trata-se de uma formidável utopia. Como se sabe, Thomas More deu esse nome, Utopia, a um romance filosófico no qual imaginou uma ilha onde não haveria propriedade privada e nem intolerância religiosa, muito semelhante à República, de Platão. Tornou-se um  sonho ainda vivo, uma aspiração irrealizável pelo menos até agora.

No meu entender, há duas reais soluções – e muito simples – para tentar resolver-se a endêmica corrupção na política brasileira. A autoria de uma delas é, ainda, discutível, havendo quem afirme seja do Barão de Itararé, de Stanislaw Ponte Preta ou de Millôr Fernandes. Seja de quem for,  a proposta é ampla e definitiva:  “Restaure-se a moralidade ou nos locupletemos todos.” Tratar-se-ia da socialização da bandalheira ou o império da honestidade.

A outra, atribuída a um dos admiráveis poetas brasileiros, Capistrano de Abreu. Desalentado, escreveu um pungente poema em que propôs a mudança da Constituição que passaria, então, a contar apenas  um artigo:”  Todo brasileiro deve ter vergonha na cara. Parágrafo Único: Revogam-se as disposições em contrário.”

E concluiu, com a amargura que nos antecedeu:

“Espelho meu, espelho meu!
Há um país mais perdido do que o meu?
Espelho meu, espelho meu!
Há um governo mais omisso do que o meu?
Espelho meu, espelho meu!
Há um povo mais passivo do que o meu?”

O espelho ainda não respondeu. Bom dia.

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