Estefânia, da “Benjamin”

Das puta tuda que conheci, Estefânia foi a mais bunita que vi. Pode sê zagero meu, pode sê. Mai amor é de ansim: a gente inxerga cos zóio do coração. Zóio da cara vê cum defeito.

Estefânia, quando conheci ela, já tava tuda inrugada, cara pintada daquelas tinta branca que paiaço usa pra branqueá a cara. E, na boca, os beiço pintado de um vermeio tão forte e tão vermeio que parecia sangue do coração. Estefânia já tava véia, véia de velhice que a gente nunca sabe dizê de quantos ano de vida. Uns sessenta, setenta? Ou véia da velhice das noite tanta de putaria, de trocá noite pelo dia, de cigarro e cachaça, dos hóme que a desejava, de zé-ninguém a coroner? Estefânia foi a mais afamada puta da zona, quando a zona era na rua Benjamin. Quem pode imaginá um putero tão perto da rua Governador? Pois antigamente era de ansim: pobres e rico, preto e branco, tudo perto uns dozotro, mai sem nunca se aproximá. Bastava fingi que num se via. Nem se conhecia. Antes, era de ansim.

Na Rua Benjamin, era como se tivesse duas rua: uma de dia, de gente ordêra, com comerciante, dono de armazém, costurera e, de noite, quando chegava alegria, festa na putaria, butecos cum luiz amarela, muié parada nas porta, debruçada nas janela, moça e véia bunita esperando fregueis. Estefânia era rainha dos rei, a mais inteligente e sabida, muié de comunista, o Nerso, operário, sempre o primero da lista nas perseguição da Pulícia.

Estefânia foi puta escolada, politizada, muié de operário, amante de coroner, que tirava dinhero de capitalista pra dá de comê a comunista. Era tão rainha que, certo dia, foi a principar convidade, teúda e manteúda, de visita importante, gente grande: Jorge Amado, Luiz Carlos Prestes, pessoar recepcionado na casa de João Chiarini e, despoi, no cine S.José, o Zelão. Estefânia tava lá, pra falá de justiça sociar, de derrubá governante, nem que fosse seu amante, pois Estefânia era puta profisisonar que deitava cum prefeito e deputado, mais tamém cum estudante e sordado. Puta iguar Estefânia, nunca mai, ai, ai, ai…

A úrtima veiz que vi Estefânia ela tava véia de dá dó, rosto coberto de pó, vistido arrastando no chaõ e, na mão, um cartaz de passeata: “Abaxo a ditadura”, protestando contra os milico que dero o gorpe no Brasir. Foi em 1964, tirei dela um retrado, num sei adonde puis, acho que perdi. Estefânia num era mais puta, o tempo vencera a beleza do corpo dela. Mai sobrara um coração, a arma tão bela que, tuda vistida de branco e lutando pela liberdade, Estefânia, na verdade, parecia aquela santa queimada na foguera, a santa francesa, guerrera, Joana D´Arc.

Vi ela no parque e, despoi, ela sumiu. Hoje, Estefânia é arco íris no céu, quem viu?

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