Ripolianas* (10)

A promiscuidade entre ditos pastores e política partidária, negociação de votos, manipulação de eleitores – isso já é coisa antiga. Apenas aperfeiçoou-se, da mesma forma como traficantes aperfeiçoam métodos de tráfico. Rípoli não escapou a esse assédio, pois, além de dirigente esportivo, foi político atuante.

O sonho dourado de Romeu Ítalo Rípoli: ser prefeito de Piracicaba. Fora vereador, presidente da Câmara, candidato a vice-prefeito, faltava-lhe a Prefeitura. Seus planos eram não digo que megalomaníacos, mas de um visionário. Ele conseguia enxergar o futuro. E acabou candidato a prefeito. Por minha culpa, que lancei a sua candidatura, convencendo-o a aceitá-la. Não fosse a língua incontrolável, Rípoli poderia sair-se vitorioso.

Quando os ditos pastores insistem em imiscuir-se em política partidária e eleitoral, lembro-me do Rípoli. Naquela campanha, de 1976 – o eleito foi João Herrmann Neto – o XV tinha sido vice-campeão paulista, a popularidade de Rípoli era um fenômeno.

Certa manhã, todo excitado, ele chegou à redação de “O Diário”. Chegou, não. Invadiu-a. E exigiu: “Você tem que ir comigo à igreja do pastor. Ele garantiu que serei eleito com os votos que ele têm para me dar.”

Cocei a cabeça. Lembrei-me do Domingos Aldrovandi, nosso amigo comum, líder metodista, homem sério, até chato de tão severo. Certa vez, o Aldrovandi me fizera o mesmo pedido, pedindo sigilo: “Você me acompanha ao terreiro do pai de santo?” Fui. O “preto velho”, como se dizia, fez um círculo de pólvora em torno do Aldrovandi que tremia feito vara verde, os olhos pedindo socorro. Em pânico, ele me puxou para dentro da roda, o pai de santo tacou fogo na pólvora, pum! – o mundo pareceu ter acabado em fumaça. O bruxo acalmou garantiu: “Agora, os caminhos estão limpos.” Pago o serviço, saímos correndo. Mas os caminhos não se abriram: Aldrovandi foi derrotado.

E lá me fui acompanhar o Rípoli ao templo do pastor. O porta-voz de Deus gritava, xingava os demônios que dizia terem infestado Piracicaba. Mas que – “bendizei, irmãos!” – o enviado chegara e estava entre nós: “Romeu Ítalo Rípoli”, anunciou, à assembléia tomada de histeria coletiva. Não me lembro se soaram trombetas de anjos, mas sei que o Rípoli caminhou por entre a platéia histérica e, com certeza – com sua peculiar humildade – dizendo-se: “Ecce homo, eu.”

O pastor explicou que, para obter a graça dos votos, era preciso ser generoso. Quanto mais contribuísse, mais votos Rípoli receberia. Gelei: era a hora de a porca torcer o rabo. Pois Rípoli tinha fama universal de ser mão-de-vaca. Pensei na porca, lembrei-me da vaca, gemi: “Agora, a vaca vai pro brejo.” Mas Rípoli pôs a mão no bolso, tirou uma nota. O pastor franziu o cenho: “Rípoli acaba de ganhar 10 votos.” Era uma nota de dez cruzeiros. Rípoli tirou outra: “Ganhou mais 50 votos.”, anunciou o pastor, com a nota de 50 cruzeiros. Outra nota do bolso ripoliano: “É dando que se recebe: 100 votos.” No final do culto, o pastor – com cânticos de louvor – anunciou: dando mil cruzeiros, Rípoli receberia mil votos do rebanho de fiéis. Era a glória.

Durante a apuração, Rípoli anotava os votos. A situação estava ruim. Mas ele esperava: “Ainda faltam os mil votos do pastor.” No final, derrotado, ele me falou: “O morfético do pastor me enganou, você não acha?” Admiti: “Parece…”

*A série denominada Ripolianas é republicada para constar dos arquivos de A Província.com

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