Mitos piracicabanos, mitos brasileiros

Dia chegará em que a humanidade, sentando-se em alguma sarjeta do mundo, descobrirá como – apesar de longitudes e de latitudes – o ser humano é o mesmo onde quer que esteja. Até os seus deuses e demônios são parecidos, guardadas, apenas, diferenciações étnicas, geográficas, históricas, culturais e outras. Onde estiver o homem, lá estará ele com seus céus e infernos, com seus mitos, feiticeiros, bruxas e fadas, magias e mistérios. No século XX, dois sábios – Carl Jung e Joseph Campbell – como que se complementando, estudaram e pesquisaram essas inquietações da alma universal. E descobriram, como que deslumbrados: tudo o que acontece no Mundo acontece ao mesmo tempo.

Assim, qualquer humano poderia dizer em relação a outro: “os deuses e demônios que aqui existem são os mesmos deuses e demônios que existem lá.” Os duendes celtas da Antigüidade, por exemplo, são quase iguais – talvez apenas mais economicamente desenvolvidos – do que os sacis brasileiros. Na Europa, também há, por exemplo, a figura do lobisomem. Mas – como que para marcar abismos culturais – lá também há a figura feminina do lobisomem. O Brasil permanece, ainda, no estágio da mitologia masculina. E, para contar dela, alguns dos nossos mais fecundos estudiosos foram Silvio Romero, Câmara Cascudo, Alceu Maynard de Araújo e João Chiarini, entre outros.

Os mitos caipiracicabanos são, também, os mesmos. Portanto, não se trata de simples coincidência dois dos maiores folcloristas brasileiros – Maynard e Chiarini – serem de Piracicaba.

De Tupã e de Jurupari

Os padres jesuítas, quando chegaram ao Brasil – notoriamente, José de Anchieta e Manoel da Nóbrega – logo entenderam a religiosidade dos nativos. Havia, entre eles, a dicotomia universal, a luta entre bem e mal, talvez o primeiro encontro de “Deus e do Diabo na Terra do Sol”, como o cineasta baiano, Glauber Rocha, tentaria contar quase 500 anos depois. Deus era Tupã, o senhor dos trovões, dos relâmpagos, dos raios, das nuvens. O Padre Anchieta conta – logo ao chegar ao Brasil, em 1549 – de seu contato com um pajé que dizia ser amigo pessoal de Deus, “que lhe aparecia” exatamente em todos aqueles fenômenos meteorológicos. E todos os outros conquistadores e visitantes, sábios e guerreiros – franceses, holandeses, ingleses – falam desse Deus-Tupã, o mesmo que aparece na África, no Caribe, nas Filipinas.

No Brasil, o diabo, entre os índios, é Jurupari: também um deus, anjo decaído tal qual Lúcifer, deus sedutor, depravado, lúdico, bárbaro, na linhagem do Dioniso grego. Os pajés – sendo humanos e, portanto, frágeis – cuidavam de cultuar Tupã, mas não repudiavam Jurupari. Entre deus e o diabo, era importante ficar com os dois. E, daí, nasceram – como em toda a mitologia universal – os mitos brasileiros, a fantástica aventura em busca de conviver com o mistério.

No Brasil, a “luta dos anjos”

Em todas as religiões – e em todo o folclore universal, que é, também, uma expressão religiosa – há o conflito entre deuses e demônios e, na grande luta, os exércitos das duas facções, bandidos e mocinhos, bruxas e fadas, santos e pecadores. A mitologia brasileira tem uma riqueza inestimável, ainda que submersa. A partir dela, sobrevive, quase que heroicamente, um folclore comovedor, o povo mantendo vivo o que os intelectuais renegam. O ET de Spielberg – para citar apenas uma personagem da aculturação tecnológica – tem doçura, ingenuidade e esperteza de nosso “caipora” brasileiro, do indígena sul-americano. Mas perdemos o “caipora” para o ET. O povo simples sabe, no entanto, que se trata – sempre e onde acontecer – essa “luta dos anjos”, entre o bem e o mal.

Vejamos, no Brasil, alguns desses heróis e bandidos, que também povoaram almas e cabeças piracicabanas:

Lobisomem = É um mito universal, misto de homem e de animal. No Brasil, o lobisomem nasce se tiver havido incesto, filho de pai com filha. E se, depois de sete filhas, o casal tiver um menino. Pode-se virar lobisomem também se, já crescido, o homem mantiver relações incestuosas entre irmãos, primos e comadres.O lobisomem é pálido, magro e tem orelhas de lobo. Ele somente começa a sair de casa a partir dos 13 anos, em noite de sexta-feira, de Lua cheia. Fica em encruzilhadas, gosta de sangrar crianças. Em cada lugar do País, há uma versão sobre o lobisomem. Mas há consenso: para espantá-lo, basta fazer correr um pouco de sangue e ele foge.

Mula sem cabeça = É toda amante de padre católico. Na passagem da noite de quinta para sexta-feira, a mulher do padre se transforma em mula, brava, louca, que fica correndo na madrugada – lançando fogo pelas ventas, galopando — até quando o galo cantar pela terceira vez. Mesmo sem cabeça, ela relincha, dá dentadas, morde o freio de ferro que leva na boca, despedaçando tudo o que encontra pela frente. Depois, cansada, recolhe-se, para voltar à forma humana. E recomeçar tudo na semana seguinte. A amante do padre apenas não vira “mula-sem-cabeça” se ele amaldiçoá-la durante a missa. E, como o lobisomem, ela apenas pode ser dominada se tirar, dela, algum sangue. Ou se alguém conseguir tirar-lhe o freio das mandíbulas, quando, então, ela se acalma e fica lamuriando-se. É, também, conhecida como “Burrinha do Padre”. E, quando ela morre sem perdão, se transforma em assombração, aterrorizando as pessoas. Daí, como assombração, só se espanta a “mula” rezando-se o “Credo” ou o “Magnificat”.

Saci = Quase ninguém tem medo dele. É adorável, ainda que malandro. Em Minas Gerais, é conhecido como “saci-pererê”, nome que se espalhou pelo Brasil todo. É um menino de raça negra, com uma perna só, cachimbo na boca, carapuça vermelha na cabeça, sempre sorridente, malandro. Dá nó em crina de cavalo, apaga lume nos fogões e fogareiros, diverte-se queimando alimentos, é especialista em criar dificuldades domésticas. Tem medo de água. É conhecido, também, como curupira, caipora e kilaino.

Curupira = É o primeiro mito brasileiro, descrito pelo Padre José de Anchieta, em 1560, um certo demônio que “…os brasis chamam corupira e que acometem aos índios muitas vezes no mato, dão-lhes de açoites, machucam-nos e matam-nos.” O curupira é visto como um ente fantástico, com o próprio nome significando, na língua indígena, “corpo de menino”. Tem cabeleira ruiva, os pés aos contrário, com os calcanhares voltados para frente. Os índios também o chamavam de “anhangá”, o mesmo que espírito mau, diabo. É o demônio das florestas. Tem mil formas: com pênis imenso, no Baixo Amazonas; batendo os calcanhares, no Alto Amazonas; enganando caçadores onde houver floresta, assobiando para confundi-los. Confundi-lo com o saci é engano.

Caipora = É todo habitante do mato, um curupira que ora pode ser mau, ora bonzinho. O caipora seria o curupira com os pés normais. Do caipora, há quem acredite ter surgido a indentificação do caipira, ambos ligados ao mato, ao sertão. Não é confiável. Sua figuração é a de um índio pequenino, ágil, escuro, ou nu ou com tanga sumária, que se delicia com cachaça e com fumo. Negocia com caçadores. Conforme o acordo, facilita ou prejudica a caça. Malandro, também não pode ser confundido com o saci.

Barba Ruiva = É mito mundial. No Brasil, tem destaque na Piauí. Toda pessoa de barba ruiva e longa é suspeita. Os ingleses dizem que Caim tinha barba ruiva. Alemães também suspeitam dos “barbas ruivas”. No Piauí, a Lagoa do Paranaguá se diz ter surgido de uma criança, filha de mãe solteira, que tentou afogar o filho recém-nascido numa fonte. Uma mãe d´água o protegeu, guardando-no num tacho de cobre. A fonte passou a crescer e se tornou a lagoa do Paranaguá onde um homem sedutor, de barbas-ruivas, aparecia para encantar a floresta. Ele seduzia as moças, beijando-as e abraçando-as. Depois, desaparecia. O Barba Ruiva, onde aparece, é para conquistar e seduzir moças virgens.

Negrinho do Pastoreio = Lenda e mito do Rio Grande do Sul. Tratava-se de um garotinho negro, escravo de um estancieiro mau e perverso. O menino era conhecido apenas como Negrinho, que era afilhado de Nossa Senhora. Certa vez, ele perdeu a tropilha de cavalos baios que pastoreava para o patrão. Foi surrado, judiado, acabou morrendo em cima de um formigueiro. Depois, a sua alma voltou toda iluminada, ajudado por Nossa Senhora, espalhando luz de vela por onde passava com a tropilha de cavalos que voltou a pastorear. O Negrinho do Pastoreio ajuda a encontrar coisas perdidas desde que, para isso, quem pede lhe acenda cotos de velas. Continua visto como afilhado preferencial de Nossa Senhor.

Boto = É um dos mais belos mitos brasileiros, surgido na Amazônia. Boto é o golfinho amazônico. A lenda diz que ele seduz as moças que ficam à beira dos rios, sendo pai de todas as crianças nascidas de desconhecidos. Quando chega a noite, o boto se transforma num moço bonito, sedutor, alegre, dançarino habilidoso, conversador, que gosta de freqüentar bailes para namorar as mocinhas. Depois de namorar e seduzir as donzelas e antes da madrugada, volta para as águas e se transforma em boto novamente. O boto, para alguns estudiosos, é hermafrodita, podendo, assim, se transformar também na mãe d´água, tipo de sereia brasileira que seduz os rapazes.

3 comentários

  1. olenca em 23/11/2012 às 10:35

    nao gostei

  2. yasmin em 31/05/2016 às 14:26

    tbm n gostei

  3. LUIZ em 10/08/2017 às 19:11

    LINDO

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