A crise da Unimep à luz da História

(Um enfoque Metodista)

Considero simplificação tacanha reduzir a grave crise por que passa a UNIMEP neste momento à concorrência predatória de outras instituições congêneres geradora de evasão de alunos e aos supostos altos salários dos professores, até mesmo extravagantes para muitos que desconhecem o quadro real.

Para mim soa claro que estes são dois fatores reais que precisam e devem ser levados em consideração, mas que não explicam e não esgotam a totalidade da questão que, se assim colocada, parece extremamente linear, simplificada e não revela a natureza mais complexa do fato real muito mais emaranhado do que se pode imaginar.

Em artigos anteriores, venho afirmando que a UNIMEP é em si mesma a crise e tem avançado até aqui, muito mais pelos descaminhos do que pelos rumos que tentaram lhe impor os poderes constituídos, tanto pelo Estado Brasileiro, como de sua Mantenedora, a Igreja Metodista, que realmente nunca a manteve.

Em primeiro lugar, como relembra João dos Reis Silva Jr., ela nasce em Brasília, sob aplausos do Governo Militar, já em declínio, que a desejava parte de um tripé constituído pela PUC de Campinas e Universidade de Mogi das Cruzes, que deveria neutralizar a fúria grevista da Universidade Federal de São Carlos e a influência negativa da considerada subversiva PUC de São Paulo.

Imediatamente após sua criação, tomada em sua docência por jovens professores progressistas, perseguidos e marginalizados em outras plagas, ela não só não cumpre este desiderato como investe em outra direção e se torna espaço aberto para encontro de diversas tendências ideológicas sufocadas como Libelu, MR8, Centelha Socialista, PCB e PcdoB, JUC e agasalha o debate sobre o embrião de reorganização partidária.

Assim minada, recusa a centralização proposta e vivida pelo seu conservador e dinâmico Reitor da época, Dr. Richard E. Senn, torna-se amplo fórum de debates políticos, autonomamente cria seu próprio rumo e começa a viver sucessivos conflitos, que a cidade acompanha assustada.

Neste período surgiu a ADUNIMEP que representou papel importante no esforço de democratização interna da Instituição e em sua projeção nacional.

Considero este o primeiro momento de busca de autonomia universitária que a Igreja Metodista, pelo Conselho Diretor que a representava, assimilou bem e até aplaudiu, não obstante sua inexperiência de convívio com autonomia universitária, fato novo em sua rede de escolas.

Nas décadas de 1970 e 1980 a UNIMEP faz aberta oposição ao Governo Militar, atrai exilados políticos de diversos países, apóia a anistia geral e irrestrita, acolhe exilados brasileiros, coloca-se abertamente a favor do reatamento com Cuba, assume a causa Palestina, recebe Congresso da UNE, penetra na periferia de Piracicaba, promove a democratização de sua estrutura interna, abre espaço para os novos partidos de esquerda, promove, como nunca o fez antes deste período nem depois dele, o mais amplo debate sobre o metodismo através de inúmeros seminários nos quais participaram notáveis, como Dussel, Mortimer Arias, Franz Hinkelammert, Elsa Tamez, Hugo Assmann.

Nesse descaminho a UNIMEP ganhou projeção nacional pela sua posição política, recebeu apoio da Igreja Metodista e passou a merecer o respeito, não por sua pesquisa ou pela qualidade de ensino, mas pelos compromissos políticos e sociais que abraçou e pela democratização interna de sua estrutura acadêmica.

A Igreja Metodista, perplexa, demonstrou seu apoio à linha política adotada pela UNIMEP e em 1982 por seus Concílio Geral e, peremptoriamente em suas Diretrizes e Bases para a Educação na Igreja Metodista, confessa:

Até o momento nossa ação educativa tem sido influenciada por idéias da chamada filosofia liberal, cujos elementos fundamentais são: preocupação individualista, espírito de competição, aceitação do utilitarismo como norma de vida, colocação do lucro como base das relações econômicas e conclui: nenhum desses elementos está de acordo com as bases bíblica-teológicas sobre as quais se deve fundamentar a prática educativa metodista.

Após esta “mea-culpa” o Concílio declara, aprova e recomenda novos rumos que deve tomar a educação metodista em relação à sua finalidade:

– o interesse social é mais importante do que o individual;

– as instituições devem exercer a prática da justiça e da solidariedade;

– todos têm direito de participar, de modo justo, do fruto de seu trabalho;

– dentro de uma perspectiva cristã útil é aquilo que tem valor social.

Como uma espécie de fecho o Documento declara:

“A busca destes novos caminhos deve procurar a superação do modelo educacional vigente. Não se pode mais aceitar uma educação elitista, que discrimina e reproduz a situação atual do povo brasileiro, impedindo transformações substanciais em nossa sociedade. Também não podemos nos conformar com a tendência que favorece a imposição da cultura dos poderosos, impedindo a maior participação das pessoas e aumentando cada vez mais seu nível de dependência.” (Diretrizes para a Educação. p. XLIII )

Após 1982 tem início na Igreja Metodista um forte retrocesso de inspiração conservadora que se opunha às diretrizes adotadas, especialmente nesta região e em função dele a UNIMEP sofreu brutal tentativa de intromissão que visou afastar o Reitor e impor uma proposta funcionalista de educação, severamente repelida pela comunidade unimepiana, que resistiu e impediu a intervenção do Conselho Diretor também recusada pelo próprio episcopado metodista que apoiou fortemente a UNIMEP.

Nestes entreveros a UNIMEP se auto-organizou, criou, com o apoio da própria Igreja, sua estrutura interna e fortaleceu sua idéia de autonomia que, em momento algum, reivindicava o afastamento dela da Igreja Metodista. Registro neste período o segundo conflito entre uma universidade que não se nega ser confessional, comunitária mas que deseja ser autônoma e não heteronima.

Este episódio representou um divisor de águas razoavelmente delineado entre as Instituições de ensino, embora a Igreja Metodista começasse a reclamar das intromissões da Universidade em seu interior através do Jornal Opção.

Após estes embates, a Instituição entrou em uma fase de calmaria com o Reitor Almir Maia, que passou a dar maior ênfase aos atos acadêmicos e à qualidade do ensino e da pesquisa, criou o que se convencionou chamar Política Acadêmica defendida sobre tudo pelo seu Vice-Reitor Ely Eser Barreto Cesar e aprovada pelo Conselho Universitário, promoveu extraordinária expansão dos campi e acumulou patrimônios em grande escala, socorreu outras instituições metodistas e dele se pode dizer que foi, do ponto de vista do crescimento do patrimônio, notável reitor, reconhecido pelo próprio Estado que o fez membro do Conselho Federal de Educação como da própria Igreja Metodista que não lhe impôs qualquer restrição e recebeu com satisfação seu reconhecimento na América Latina.

No último quadriênio da administração Maia a Instituição manteve-se dentro do modelo participativo e compromissado que conciliava Igreja e Universidade de modo bastante inteligente, mas começou, à semelhança de outras instituições da Rede Metodista, a dar sinais de crise econômico-financeira em função da qual várias medidas de contenção foram tomadas, o que conseguiu adiar o problema.

Tem sido levantados alguns fatos deste período que teriam agravado a situação:

– Evasão de alunos em função da concorrência e alto custo das anuidades;

– Altos investimentos em construções de altíssimo padrão como nos campi Taquaral, Lins, Martha Watts no Centro, todos do conhecimento do Conselho Diretor;

– Participação nada feliz no Hospital Samaritano em Campinas;

– Ausência de equipe técnica competente de planejamento a altura do nível e montante dos recursos em tela;

– Separação dos cargos de Diretor Geral – Reitor, que passou a ser ocupado por duas pessoas o que revelou pouco prático e enfraqueceu a Reitoria;

– Simultaneamente, outras instituições de ensino da Igreja Metodista entraram em crise e sofreram intervenção verticalista como ocorreu em Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro;

– Desentendimento entre Diretor Geral e Conselho Diretor no que se refere à velocidade e à natureza das providências saneadoras a serem tomadas para a solução da crise, como no passado, o atrito explicitava o conflito entre uma universidade em busca de sua autonomia e uma mantenedora que buscava controle sobre uma instituição de ensino.

A Academia, informada do conflito, acatou as solicitações da Direção Geral, aderiu à idéia do pacto, aceitou a redução salarial nos termos em que foi solicitado, fato que irritou o Conselho Diretor que entendeu tratar-se de medidas paliativas, ineficazes que mais respondiam às aspirações de poder do Diretor Geral do que à solução do problema.

Neste acontecimento se explicitou pela terceira vez a natureza real do conflito entre um projeto de universidade participada, autônoma, confessional e comunitária que deseja resolver democraticamente seus problemas e a vontade de interventores apressados.

Entendem alguns opositores deste modelo de universidade, que a UNIMEP foi dominada por sindicatos ilegais, não democráticos, que contaminaram a estrutura interna de poder, engessaram a Instituição e precisam ser banidos para que a ela possa encontrar seu rumo.

Neste mesmo período Davi Barros vinha realizando administração considerada, apenas do ponto de vista econômico, eficaz na UMESP, em São Bernardo, e liderou um grupo que propunha mudanças substanciais na rede metodista de instituições de ensino e defendia maior controle sobre elas e tratamento empresarial que racionalizasse suas administrações, preservasse o controle vertical da Igreja Metodista e as capacitasse a responder às exigências do mercado.

Os representantes desta proposta ganharam espaço no último Concílio Geral da Igreja Metodista, lograram impô-la na quase totalidade das instituições metodista de ensino, fizeram sérias restrições ao modelo adotado pela UNIMEP, detestam a força do movimento sindical sobre o que consideram intolerável e defendem que precisa ser desmontado para que se logre “salvar a instituição e desengessá-la”.

O Professor Davi Barros, legítimo representante desta tendência, respaldado pelo seu êxito administrativo na UMESP, pela ampliação de seu espaço na Igreja e pela existência do Conselho Diretor no IEP, também adepto da mesma tendência, recebeu e aceitou o convite para cumprir este papel na UNIMEP.

Diante deste rápido histórico infiro que a chegada do atual Reitor atende aos objetivos do grupo e suas medidas contundentes o que me permite algumas conclusões:

– O que se está decidindo neste momento não é só a situação financeira, difícil mesmo, mas que poderia e pode ser solucionada de modo democrático e participativo em parceria com professores, funcionários e alunos;

– Encontra-se em jogo o incômodo modelo de universidade aqui implantado, confessional, comunitária, privada e autônoma;

– No bojo destas medidas encontra-se posta a necessidade de liquidação da influência sindical, representada pela ADUNIMEP e considerada intrusa na estrutura interna da UNIMEP que, segundo os interventores, representa um tipo de poder paralelo que deseja ver a Instituição estatizada.

Caso não haja diálogo neste momento e este grupo interventor seja vitorioso, não se pode ter dúvida de que o modelo UNIMEP será outro, de decisões lineares e reduzido apenas a uma prestação de serviços do tipo empresarial, que apenas atenda as demandas do mercado. Pode até ser eficaz do ponto de vista da administração que salvará a empresa, mas liquidará o modelo hoje existente.

A questão financeira que é real, reafirmo, tem condições de ser resolvida em conjunto com a Academia, mas, neste momento, como em 1985 é o pretexto para mudança do perfil e dos rumos da UNIMEP.

À luz destes esclarecimentos, faz sentido a decisão dos professores que aceitam rever seus salários e colaborar para a solução do problema, desde que se preserve a autonomia universitária e garanta a existência do projeto UNIMEP.

* Elias Boaventura, Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP e Ex-Reitor.

1 comentário

  1. Carolina Vianna em 12/08/2017 às 13:37

    A história se repete em 2017. Força UNIMEP! #forarede

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