Um 7 de Setembro com Prudente e Miguelzinho

Piracicaba, desde o Império, sempre mostrou sua participação nos eventos cívicos brasileiros, como se os nossos antepassado tivessem, realmente, um projeto de nação que,com o tempo, parece ter-se esvaziado. Os documentos existentes mostram a população piracicabana mobilizandose para comemorar eventos, promover manifestações, reagir a acontecimentos. O espírito monárquico e o republicano, quando se mostrava inevitável o advento da República, parece que conviveram até com certa harmonia.

Era comum, por exemplo, ver registradas, em torno das mesmas comemorações, figuras politicamente tão separadas como Prudente de Moraes e o Barão de Rezende, Luiz de Queiroz e escravagistas. A Independência do Brasil foi acolhida, em 1822, com grandes manifestações. E a comemoração dos anos anteriores se repetiu.

Portanto, como era aquela Piracicaba ainda no século XIX, nas comemorações das festas cívicas? O que movia sua comunidade, como ela se envolvia, por exemplo, nas festividades de um 7 de Setembro? O texto abaixo, publicado em 1936 e assinado pelo artista Antônio

Pádua Dutra, relata justamente uma dessas comemorações, a de 1869, com descrições que envolvem, inclusive, a participação daquele que seria o futuro presidente, Prudente de Morais, e do artista Miguel Dutra.

 

…. O povo, ainda mal acordado, esfregando os olhos, acorreu, aos magotes, para o páteo da Boa Morte, depois dos rojões, da salva e da música d’aquela madrugada de terça-feira. Do coreto, para onde havia sido transportado o órgão que iria encher de sons os festejos religiosos da tarde, Miguel Archanjo Benício de Assumpção Dutra – o Miguelzinho – dava vivas à Independência e à nação brasileira.

Ninguém faltou à novena. Na capela, toda iluminada, havia brilhos de ouro nas folhas que recobriam os entalhes do altar, dos castiçais e do sacrário. Os crentes, embevecidos, e com o coração transbordante de fé, olhavam a Nossa Senhora entalhada por Miguelzinho para a igreja que ele construiu. A sua arte devota se desdobrava pelos enfeites interiores, no misticismo das feições dos santos e pela música do órgão, que suas mãos tocavam, enchendo a Boa Morte de suave encantamento.

O Te Deum veio depois. De repente, todos se ajoelharam, olhos postos no chão, povo, autoridades ali presentes. Um bimbalhar de sinos quebrou o silêncio abafado de calor e de incenso – era a benção do Santíssimo…. Aquele povaréu, apressado e curioso, foi se deslocando para os lados da Câmara, onde tinha havido uma reunião durante o dia. Sabia-se que o Capitão Emydio presidira a mesma e que, depois dos discursos e dos debates, chegaram os participantes ao resultado desejado: criação de uma escola noturna em Piracicaba.

A instalação estava marcada para as 7 horas da noite. Fora e dentro da Câmara, homens e mulheres se acotovelavam fazendo um barulhão dos diabos. Repentinamente, cessou o vozeirão. Na sala ornamentada, entre os da mesa, enxugando o suor da testa, levanta-se o Dr. Ubaldo e explica os motivos daquela reunião. Sobrava alegria nesse acontecimento. Houve discursos e recitativos. O dr. Costa Carvalho encorajou o dr. Prudente, que também disse alguns versos. Para terminar, o dr. Brotero, juiz de Direito, proferiu um discurso bem alinhavado sobre a data, referindo-se com entusiasmo ao ensino. Mas nenhum empolgou tanto quanto o Dr. Cândido Barata! O seu verbo inflamado sacudiu o auditório. Foi vibrantíssimo, fazendo vibrar ainda mais a alma piracicabana, que nem imaginava fosse aquele instante o marco luminoso da futura Piracicaba: crivada de escolas, como bem poucas terras!

Além da ceia no Hotel do Gabriel, ia haver festa em casa do Dr. Eulálio. As roupas das soirées já andavam pelas ruas – ternos pretos de golas largas e vestidos compridos , encimados por lindas cabeças, de olhos ariscos. O 7 de Setembro de 1869 já se havia mergulhado na noite…

Deixe uma resposta