Fora de que mundo?

Enquanto rabiscava estas palavras, troquei ideias com amigos através do correio eletrônico e me senti confuso. Primeiro: será que rabiscar palavras é expressão usável em computador? Acho que sim. Mas, se não for, que assim seja, num tempo em que tudo é possível, permitido e admissível. Segundo: como é possível sentir-se, ao mesmo tempo, fora e dentro do mundo? Cada vez mais fora de um e cada vez mais dentro de outro, quero dizer.

Na minha adolescência, início da juventude, meu pai brigou comigo ao me ver com uma camisa vermelha. Era “pouca vergonha”. E brigou mais ainda quando deixei cabelos crescerem, outra “pouca vergonha”. E nem teve forças mais para me recriminar quando me viu encantado por Elvis Presley, os Beatles, a bossa nova – ele que amava Silvio Caldas,Orlando Silva e, ao violino, tocava canções como a “Malandrinha”. Era música de seresta que, ainda me lembro, começava assim: “Acorda, minha bela namorada, que a Lua nos convida a passear…” Ora, onde eles iriam passear depois que ela acordasse? E o que iriam fazer?

Tento dizer que o mundo morre a cada geração. Para renascer. Logo, há um choque não de gerações, mas de pessoas de gerações diferentes se forem, elas, pouco inteligentes. Ora, coexistir é preciso, conviver não é preciso. Isso significa que mundos e culturas diferentes, bem como gerações, podem perfeitamente coexistir sem necessidade de convivência. Pois, se a moçada não entende a música que ouço enquanto escrevo – Mozart, Beethoven, Chopin – por que deveria, eu, entender esses sons e ruídos alucinantes que dizem ser música atual? Ou idiotizantes, como tchá, tchum, sei lá o quê, o diabo a quatro. Só dizendo, como antigamente,o cáspite!

Fui pioneiro, cá na aldeia, também em jornalismo eletrônico. E, se me envaideço disso, não consegui me deixar seduzir por todos os recursos dessa era digital, nem por muitos dos seus instrumentos e criações. Tenho celular e eu mesmo nem sei o número dele ou se ainda tem crédito. Aliás, nem mulher e filhos sabem desse número. Para que usá-lo, se mal saio de casa? A Província está no Facebook. Eu, não. E, para piorar a situação, não sei absolutamente nada do que está acontecendo com novelas. E, por não saber, me sinto idiota quando ouço pessoas falando de Carminha, Tufão, sei lá mais de quem.

Nada tenho contra novelas. Muito menos contra televisão, ainda que a minha seja ligada apenas em poucas ocasiões: filmes, documentários, noticiosos, esportes. A única novela a que assisti foi a velha e boa “Gabriela”, ainda com a Sônia Braga. Eu havia fraturado uma vértebra dorsal e, acamado por longo tempo, via a “Gabriela” no meu leito enfermo. Gostei muito. E, anos depois, vi-me assistindo àquela da Odete Roitman. Certa manhã esplendorosa de sol e azul – a mãe de meus filhos ainda estava viva – eu me apanhei, à hora do café, perguntando-lhe: “quem matou a Odete Roitman”, pois não assistira ao capítulo anterior. Dei-me conta de minha situação hipnótica: diante do esplendor do dia, das maravilhas da manhã plena de graças, eu queria saber de um personagem de novela. Desisti. Nunca mais vi sequer um capítulo de outra novela qualquer.

Vejo-me cada vez mais mergulhado no mundo da reflexão, da contemplação, da análise, da busca do entendimento. E cada vez mais distanciado do mundo do espetáculo. Confesso: não sei estabelecer a diferença entre as Olimpíadas e os debates, no Supremo Tribunal, do assim chamado mensalão. São-me, eles, apenas shows, com diferenças de conteúdo. Nada mais do que isso. Aliás, de qual mensalão se trata, se há tantos e tantos espalhados por aí? Cala-te, boca! E bom dia.

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