A Reforma da Previdência exige lucidez no debate

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arton9853Imaginem uma reforma na Previdência que retirasse dos aposentados o benefício de uma aposentadoria integral, criasse mecanismos para que os servidores públicos permanecessem mais tempo trabalhando para obter o teto no valor da aposentadoria e passasse a fazer um desconto no salário de servidores públicos inativos, acarretando assim na diminuição do valor de sua aposentadoria. Seria, naturalmente, uma reforma contra os interesses de trabalhadores. Pois foram esses os itens aprovados, dentre outros, na reforma da previdência em 2003. Sinteticamente direitos, inclusive os adquiridos, foram retirados.

Hoje, basicamente, o que se está propondo é muito menos. Igualam-se as propostas feitas pelo Governo Dilma em seu apagar das luzes. Resume-se na idade mínima de 65 anos, equiparação dessa idade entre homens e mulheres e ao tempo de contribuição para obter a integralidade do valor da aposentadoria. Cabe ainda lembrar que todas essas propostas serão válidas somente para os trabalhadores no futuro. Para os atuais, em certos casos específicos, haverá tão somente regras de transição. Além disso, na comissão especial que avalia a proposta na Câmara dos Deputados, tanto o tempo de contribuição quanto a idade mínima estão sob discussão. Ao contrário do que ocorreu em 2003, dada a existência de um congresso submisso por força do mensalão, hoje se está realizando um debate ampliado e tudo poderá ser politicamente pactuado.

Contra a idade mínima existem argumentos de que dependendo da região do País 65 anos não seria realista. Como a idade mínima irá se refletir no futuro, ou seja, em prazo superior a décadas, falar hoje em idade mínima é fazer projeções. No futuro a idade mínima, dada a evolução da esperança de vida, deverá ser compatível com os 65 anos. Após o advento do Sistema Único de Saúde, o SUS, tanto a mortalidade caiu quanto a esperança de vida aumentou. Essa tendência está se mantendo.

Em um vídeo, que está sendo divulgado, afirma-se, porém, que a esperança de vida em certas regiões do País, e em particular na cidade de São Paulo, é inferior a 65 anos. São utilizados para essa afirmação bairros de São Paulo. Nesses omite-se que a catástrofe da violência retira a vida de jovens de forma precoce. Isso diminui significativamente a média de vida da população local. Sem pudor nenhum, valem-se da triste realidade de pessoas em maior vulnerabilidade para afirmações no mínimo passíveis de verificação.

Quanto a paridade entre homens e mulheres há muito o que pensar. Em boa parcela de países a diferença para a aposentadoria entre homens e mulheres inexiste, até porque nesses também homens e mulheres dividem seus afazeres domésticos. O argumento básico de maior carga de trabalho imposta às mulheres, que sustenta a diferença entre as idades, acaba por ratificar uma distinção indevida. Manter a diferença, a bem da verdade, é legitimar, sob um disfarce de garantia de direitos, condições de inferioridade impostas às mulheres. É confirmar tanto a necessidade quanto a permanência da jornada dupla de trabalho. Se houver a igualdade na idade mínima, por outro lado, haverá a fragilização da jornada maior de trabalho em que as mulheres são subjugadas. Isso tudo porque a diferença na idade mínima para as mulheres deixará de ser “compensada” por um acesso mais rápido à aposentadoria.

Por último, quanto ao tempo de contribuição, o que se está colocando, visto que na reforma de 2003 esse tempo foi deixado de lado, é que esse precisa ser efetivamente normatizado. O fundo de previdência depende disso. Sem essa equivalência entre totais nos valores de contribuição e os totais decorrentes do tempo de benefício o sistema não terá vida longa e, quando se pensa a previdência, o tempo longo é o que prevalece.

Nosso tempo é o do questionamento de tudo e de todos. Vivemos uma era de incertezas. Não só porque estamos num momento de rupturas profundas, mas, também porque nos faltam perspectivas. Estamos a viver todos um grande salto no escuro. A coragem, mais do que nunca, é o essencial. A covardia conservadora e retrógrada, a que impede debates lúcidos, foi na história a criadora de fogueiras onde sábios foram queimados, torturas e outros males e perversões.

Há momentos em que as fraquezas humanas se revelam na forma de brutalidade, ditaduras assim o são. Há momentos, talvez mais perversos, em que ela se revela sutil. Hoje o pensamento retrógrado nos invoca somente medos contra as reformas. No passado recente, precisamente em 2003, o temor não existia. Afinal, eram “um dos nossos” lá. Como o de agora não é, há que disseminar a desconfiança. Uma coisa a todos a história ensinou: sem ousadia não há transformações e crescimento. Arautos do temor só tem a finalidade de nos deixar onde estamos. Não é por aí. Temos que fazer nossas reformas e revoluções. Sem elas não há vida.

*Alvaro Guedes é professor da Unesp em Araraquara, especialista em administração pública.

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