LEIS DEMAIS

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Li na imprensa que em 2014, dos 384 projetos apresentados pelos vereadores piracicabanos, 148 foram nomes de rua. Na matéria, um dos vereadores aponta que muitos projetos que apresentou tiveram dificuldades em ser aprovados por ele não ser da base do governo. Penso ser esse o problema de nossa Casa de Leis. Pagamos 23 vereadores, mas, na prática, temos seis: os dezoito da base aliada votam em bloco segundo os interesses do governo; quatro da oposição, que nada conseguem e um, que se diz autônomo. Ora, fala a Constituição que, apesar de harmônicos, são independentes os poderes. Que independência é essa se o Executivo influi até na escolha da mesa e todas as suas demandas são aprovadas sem discussão, inclusive o Orçamento?

Pior ainda, é comum a ‘base aliada’ barrar requerimentos que solicitem da prefeitura informações sobre gastos, obras e projetos em andamento. Quer dizer, não fiscaliza e impede que se faça. Se esses vereadores estão a serviço do povo como manda o Regimento, por que blindam o governo e impedem que seus pares cumpram seu dever? Atitudes como essas ferem a democracia e impedem governabilidade transparente e participativa. Fica a impressão de que esses parlamentares servem a um projeto político-partidário que quer se manter no poder para atender interesses corporativos. Não foi a toa que o Editorial do Jornal de Piracicaba (23.11.13) apontou “… um Legislativo da situação, que prefere se calar diante do Executivo ao invés de propor e auxiliar o governo na escolha de prioridades.”

Voltando ao tema inicial, apresentar projetos de lei é apenas uma das atribuições do Legislativo, para mim não a mais importante. Afinal, já temos leis demais; muitas feitas para manter o político em evidência. Além disso, povo civilizado traz na mente, não no papel, as regras básicas da boa convivência. Como não é nosso caso, temos tantas leis que quem aspira por cargos públicos – especialmente no Judiciário – precisa estudar muito e mesmo assim toma baile. Por isso, temos poucos juízes e a montanha de processos – retrato de uma sociedade que não se entende – chega ao teto. Para muitos, a Justiça vem depois que já foram pra o túmulo.

Temos normas para tudo e se não tiver na lei, não vale. Deixar carro na rua significa que pode ser roubado, se estiver aberto então é pra ser roubado. Se o portão não estiver trancado pode entrar e se não há cerca pode invadir; achado não é roubado; quem devolve vira destaque nacional. O normal é ser ladino. Anormal é ser honesto, gentil e despojado. Que tal uma lei para regulamentar assalto? Se você reage está quebrando a norma – e o covarde, que vira macho porque está armado – pode matar alegando legítima defesa já que a ordem é não reagir – como se pudéssemos controlar emoções nesses momentos. Se bem que, dependendo das circunstâncias, reagir seja a saída para não viver o resto da vida traumatizado.

Se leis pacificassem o país e promovessem equidade, o Brasil não teria cerca de meio milhão de presos. Burlar leis dá status, tanto que a imprensa quase só fala de crime, passando impressão de baderna generalizada. Decência não vende notícia. Temos muito mais polícia para prender – apesar de chegar depois do crime feito – que fiscais para multar, já que numa sociedade tosca, mexer no bolso é mais eficaz que prisão.

Apesar dos 500 anos de história, ainda não fizemos a lição de casa. Adianta saber ler e calcular (muito mal, aliás); entender mapas, relevos, fórmulas e teoremas se nem nossa Lei maior conhecemos?  A Constituição – Federal, Estadual e Municipal –, leis ambientais, códigos, etc., com as devidas adaptações, deveriam ser matérias obrigatórias, do primário à graduação. Em vez de fabricar mais leis, deveria o Legislativo trabalhar para que as existentes sejam incorporadas no cotidiano dos cidadãos. Já estaria bom demais. Esse também é trabalho do vereador.

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