Não me Retenhas

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No meio do ermo onde estavam, Jesus levantou impertinente questão: “Onde compraremos pão para alimentar toda essa gente” (Jo 6 5). Os discípulos ficaram alvoroçados; fizeram uma reunião, calcularam mais ou menos o custo e a viabilidade da sugestão; sugeriram que o Mestre não inventasse moda, fosse mais realista e o povo dispensasse para que se virasse por seus próprios meios. Contudo, a resposta foi mais perturbadora ainda: “Não é preciso que vão embora. Dai-lhes vos mesmos de comer”. (Mt 14, 16).

Com uma batata quente dessas nas mãos foram rápidos em se esquivar: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes”. Querendo desestimular Jesus de uma idéia tão esdrúxula, que certamente os exporia ao ridículo, e para encerrar logo o assunto emendaram: “Mas o que é isso para tanta gente?”

Jesus, compreendendo-lhes a estreiteza de mentalidade, pegou os pães e os peixes, deu graças, abençoou-os e repartindo-os, começou a distribuí-los entre os presentes. Provavelmente os que traziam pão consigo seguiram o exemplo. Todos comeram a ponto de sobrar.

Na natureza sequer um inseto morre de fome, mesmo nos estéreis e escaldantes desertos. A criação é perfeita. Fome só existe entre os humanos. Atingimos um grau de desenvolvimento nunca visto. Os supermercados estão tão abarrotados de produtos que toneladas deles são descartadas por passarem do tempo. Restaurantes, empresas e até escolas todos os dias jogam no lixo muita comida. E uma vergonha que num mundo opulento como o nosso existam pessoas passando aperto. São as vitimas de um sistema que favorece o dono do dinheiro. Quanto mais trabalham mais enricam os que mandam. Falta, Justiça, portanto, não comida.

Voltando ao início de nossa conversa, o texto bíblico vai fundo. O mesmo Jesus que repartiu disse que não só de pão vive o homem, e mandou-nos trabalhar não pelo alimento que perece, mas pelo que permanece. E se apresenta como esse alimento. “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim, nunca mais terá fome e o que crê em mim nunca mais terá sede. Quem comer desse pão viverá eternamente”. (Jo 6,34).

A indústria de alimentos fatura alto. O Brasil destrói suas florestas para plantar mais e mais. Mesmo os shoppings, de templos do supérfluo estão virando enormes pastos para comilões de todos os gostos. O alimento define ou deforma o ser humano. A gente é o que a gente come. Talvez por isso doenças poderosas flagelem a humanidade. Come-se de tudo e demais porque falta às pessoas um alimento que realmente as satisfaça, que as sustente, que as faça alegres, e que lhes mate a fome de paz interior, de sentido para a vida, de comensalidade, de amar e serem amadas.

Dizem que certas tribos praticavam antropofagia para que aquele que se foi continuasse vivo neles. Por isso “quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele”, completa Jesus. O mundo, obeso de corpo definha no espírito. Jesus está presente vivo e inteiro para TODOS, primeiro na Palavra e depois na Eucaristia.

Ele veio para os famintos, mas os ‘saciados’ dele se apoderaram e atravancaram de regras seu acesso cometendo assim a mesma injustiça. “Não me retenhas”, disse. E ainda “Dai-lhes vós mesmos de comer”. É o que quer de sua Igreja. Afinal Ele se fez pão para matar a fome que vem matando a humanidade e não para ficar trancado em sacrários de templos vazios.

 

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