Os quatro tempos

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Relogio-antigo-closeupI – PASSADO

Houve um tempo qual se ouviu sentimento

Que a vantagem se errava nos trajetos

Cuja maior chantagem era um gesto

De cantar na janela sob o vento.

Nossa dor se media nos infestos

Bailes regados aos doces momentos

Os quais, ciúmes dos atrevimentos,

Embarcavam em fúteis manifestos.

 

Alcancei-me, porém, dessa janela

Em que passei por mim distorcido

Como se eu fosse apenas uma tela

Passados tempos, dias encolhidos

Percebi meu passado sentinela

Da janela vi um ser desvanecido.

II – PRESENTE

Tenho e não tenho o curso de uma história

Brigo até com o demônio; pela ida

Boêmia a qual eu levo toda vida

Me esqueço da ferida compulsória.

Sigo tal curso, ébrio da oratória

Envolvo-me em sequiosa despedida

– Presente de um deus d’alma corrompida

Trancado nos confins d’uma memória.

Vinte e poucas promessas todo ano

Outras trinta sem nem eira nem beira

Quarenta, novisfora, por engano

Tudo se faz e se fez por besteira

De um ser que ainda se faz pleno inumano

Da alma só: soturna e vil geleira.

 

 

III – FUTURO

Se me for alcançável, lhe farei

Com que cresça a beleza da semente;

Se me restar promessa, cumprirei

Mas só se a terra for mesmo insistente.

 

Que se restem madeiras, não de lei

Pois o homem provou que não se sente,

Quando d’uma palavra do seu rei,

Qualquer culpa por um risco iminente.

 

Eu peço agora, pelo tempo adiante,

Os anéis que se envolvam n’outro mundo,

E o contratempo, a sós, não mais errante.

 

Não se espera quando o bem vai no fundo

Ou se a história floresce mesmo arfante

Que o longo tempo é como num segundo.

 

 

IV – ATEMPO

De viés, me pego olhando na porta;

O predicado do tempo se some

Deixando de saber o que consome

A revivida natureza-morta.

Um sujeito oculto, d’alma bem torta,

Que ama, que seduz, que mata a fome

Com alguns grãos de nome e sobrenome

Ensinou: mostrou que o tempo é quem corta.

 

E quanto mais me afasto, mais me sigo

Depois de tanto fugir, o regresso;

A tal medida é o melhor desabrigo

 

Quando me perguntam o que lhe peço

Apenas que saiba: o novo é antigo

E que até o velho tempo é réu confesso.

 

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