Acima do bem e do mal

Acima do bem e do malManifestações textuais em Recife. Fonte: jornal O Estado de São Paulo, em 14/05/2010. O candidato tucano José Serra: “Lula está acima do bem e do mal, não comparo Lula com nada”. O presidente nacional do tucanato, senador Sérgio Guerra: “Lula virou uma entidade. Estão aí as pesquisas, não adianta eu dizer que é ou que não é. A população aprovou. Desconhecer isso é não ter os olhos na verdade.”

Há ironias nisso tudo, críticas subliminares ou um ataque de sinceridade de quem não tem projeto a apresentar, de quem cuja única proposta é “continuar tudo o que está sendo feito, mas melhorando.” Ora, o discurso de Serra se assemelha em tudo à proposta de Lula em relação à Dilma: ela irá continuar e ampliar o sucesso estrondoso de seu governo, já organizado, já estruturado, como um trem que, celeremente, corre para um destino de esperanças definido, um trem com certezas. Ora, se os adversários querem fazer a mesma coisa, melhorando, por que, então, mudar? Pelé, ainda agora, em relação à convocação feita pelo técnico Dunga para a Copa do Mundo, definiu o que todos já sabermos: “Não se mexe em time que está ganhando.” O time de Lula revelou-se vencedor, com um prestígio internacional como nunca antes existiu na história do Brasil, talvez com exceção feita a dois períodos exponenciais: a monarquia de D.Pedro II, o desenvolvimentismo de Juscelino Kubitschek, homem de Getúlio Vargas que continuou e ampliou a obra getulista.

Quando Serrra e os cardeais do tucanato afirmam, docilmente, que irão continuar todos os projetos de Lula, mas melhorando-los, isso não quer dizer nada. Ou melhor: quer dizer que não tem projetos próprios ou novas propostas. Caíram numa arapuca, pois o Brasil se transformou numa grande locomotiva correndo em direção a encontros definidos. Se Lula está, segundo José Serra, “acima do bem e do mal”, é o próprio Serra quem estimula argumentos para endeusamento de um líder operário que usa seu carisma para ser amado pelo povo. Isso quer dizer que, para Serra e os tucanos, Lula não pode e nem deve ser julgado. Foi aprovado e absolvido até mesmo em seus erros. Palavras do PSDB que, com seus cardeais, admitem Lula como líder incontestável, algo impossível de negar quando se veem, no mundo inteiro, verdadeiras consagrações ao presidente Lula, ainda que com sonegações de informação por parte da desesperada oligarquia dos meios de comunicação. Se Lula erra a conjugação de um verbo, isso dá manchete. Se Lula é capa do Times como líder mundial, isso vai para nota de rodapé. Se Lula é premiado, pela ONU, como o campeão mundial contra a fome, a notícia vai para um canto da página. Essa imprensa, voltada apenas para uma elite, está enganando a própria elite.

Política externa independente, influência regional e global, isso é tradição brasileira desde os tempos do Barão de Rio Branco, apequenada por hiatos de rendição servil aos novos donos no mundo do pós-guerra. Juscelino – com uma equipe de economistas e intelectuais do mais alto nível – rompeu essa dependência e a sua proposta da OPA (Operação Panamericana) antecedeu de muitos anos o MERCOSUL e, também, a formação da União Européia, agora em desintegração.

Afinal de contras, se José Serra acha Lula um líder incontestável, se promete apenas continuar e melhorar o que faz o governo Lula – qual é a razão, então, de sua candidatura? Se o trem está veloz, nos trilhos, enfrentando caminhos árduos e superando-os com galhardia, por quê e para quê mudar o maquinista e sua equipe se um novo operador, prometendo seguir o mesmo caminho, terá que substituir milhares de funcionários e uma formidável equipe que colocou o trem nos trilhos? Quantos homens de confiança terão que ser mudados? Quantos assessores, funcionários terão que ser substituídos? Quanto tempo se perderia com tudo isso, cerca de dois ou três anos de recomeço? E toda essa bagunça apenas para continuar o que está dando certo?

A presença de Lula no Irã incomoda os Estados Unidos, muito mais interessados em mudar todo o regime dos aiatolás e manter domínio pleno na região, do que verdadeira paz. Houvesse sinceridade nisso, o primeiro passo do país de Obama teria sido o de exigir, também de Israel, o desarmamento atômico. A tese de Lula acompanha uma linha de raciocínio com apoio quase geral: os países têm o direito ao uso da energia atômica para fins pacíficos. E ponto final. Lula conseguiu colocar-nos em primeiro plano na política internacional, por mais que a dita grande imprensa, comprometida com o neoliberalismo, queira manter as coisas como estão, fingindo não ver o óbvio. É d´escrachar. Mas José Serra definiu tudo e que o ouçam os tucanos: “Lula está acima do bem e do mal.” Se o adversário elogiou, está elogiado. E bom dia.

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