Diabo no corpo

Diabo no corpoQuem não se lembra? Há alguns anos, em Rio Claro, a mulher – dizendo estar com o diabo no corpo – foi conversar com o padre e levou uma sova. Bem feito. Com o diabo não se brinca. Quando se tem o danado no corpo, é preciso saber como cuidar dele. E conviver com ele. Se brincar, diabo no corpo é como pulga: dá coceira. E mexe com a cabeça, com a imaginação, com o sexo. Segundo Freud – e alguns inquisidores da Idade Média – diabo no corpo e agitação sexual são quase a mesma coisa. Para Freud, podia ser, em alguns casos, histeria. Para padres medievais, parceria com bruxas.

À época da sova na mulher, interessei-me pelas técnicas do padre de Rio Claro de tirar diabo do corpo. Antes de se tornar caso de polícia, é preciso insistir: com o diabo não se brinca. Não há delicadezas. Imagine se, vendo a mulher “tomada”, o padre tratasse o diabo com sussurros: “Sai daí, benzinho.”? Não é assim. Quem assistiu a “O Exorcista” aprendeu: diabo expulsa-se com tapas, gritos e força. Se, em Rio Claro, a mulher apanhou do padre, seria preciso saber que tipo de diabo estava nela. Pois há milhares de diabos. E de todos os tipos, cores e formas.

Um certo Jean Vier – ainda no século 16 – jurou existir um rei do inferno que possuía 1.111 legiões de 6.666 diabos cada uma, portanto, com 7.045.926 servidores. Antes dele, no ano 180 d.C., um outro calculou haver 30.000 demônios. Como são cálculos de muitos séculos passados, não sei dizer se os diabos foram derrotados, se se multiplicaram. O acontecimento em Rio Claro, em 2004, deu o que pensar.

Antes, seria preciso saber qual diabo o padre viu na mulher. Deve ter sido coisa feia, pois, segundo os relatos, o exorcista bateu duro, agarrou, procurou o demo debaixo do sutiã da possuída, embaixo das saias, parece que até na pontinha das orelhas. Que ninguém faça ilações precipitadas: o diabo, num corpo de mulher, se esconde nos mais esquisitos lugares. E, parecendo invisível a olhos descrentes, as formas e tipos e cores de diabos são múltiplas. Tem diabo que é cão, outro que é bode, outro que é leão, além da serpente. E, geralmente, tem preferência por mulher. Desde o tempo de Eva.

Em forma de animal, sabe-se que o danado somente não assume o corpo do cordeiro. Num Concílio – perdão, mas não sei precisar data e lugar – o diabo foi descrito como um “ser grande e negro, com garras, orelhas de asno, olhos faiscantes e dentes rangentes, dotado de um falo enorme e espalhando um odor de enxofre.” A figura assemelhava-se a Pã, deus pagão, muito safado, que assusta pessoas no mato, está em todo lugar e causa pânico. É isso aí: pânico é coisa de Pã.

Tem diabo corcunda, anãozinho. E o que se finge de bonzinho e veste roupinha cor-de-rosa. Já se sabe de diabos lindos que, para dormir, usam apenas perfume. Aquela diaba da Marilyn Monroe era um deles e revelou o segredo demoníaco quando lhe perguntaram com o que dormia: “Chanel 5”. Não houve quem não quisesse ficar com o diabo no corpo. Aliás, não se pode esquecer do romance do Raymond Radiguet, delicioso: “Com o diabo no corpo” “Le Diable aux corps.”) O diabo do corpo é irresistível

Acontecimentos, como aquele de Rio Claro, portanto, devem ser vistos com muita cautela. Diabinho bom ou ruim, qual encarnou na mulher? Pois há diabos bons e diabos ruins. Os bonzinhos fazem traquinagens: elfos, gobelins, anõezinhos. Os da Branca de Neve, muita gente os teve como diabinhos da floresta. Mas eram gente fina. Logo, o exorcista, para ser eficiente, tem que saber qual o tipo de diabo aparece em alguém. Se diabo viola mulher, podem ter certeza de que é homem. Só isso. E bom dia.

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