Maria Helena e Heleninha, o outro lado da medalha (4-final)

Pelé

Eram tempos de glória. A cumprimentar Maria Helena e Heleninha, o rei Pelé.

Lições de vida, através do sonho

Quando Maria Helena tornou-se técnica da seleção brasileira pela primeira vez, lembro que fiz uma matéria para um jornal carioca, que veio do fundo do coração. Não era apenas por ela, acho que era por todas nós, mulheres, que, através dela, conseguíamos mais um espaço.

Esta semana, ao me enriquecer no contato por algumas horas com Maria Helena e Heleninha, num clima muito especial de recordações por entre fotos antigas, medalhas, troféus e até algumas lágrimas mais emocionadas, fiquei a pensar nas tantas e tantas linhas que já foram escritas sobre ambas, inclusive as minhas.

E acho que todos nós, profissionais da comunicação, temos um pouco de culpa por esta sensação de cansaço, de frustração, de dor que ambas trazem dentro de si, embora não as expressem em palavras. O que move o mundo dos esportes são interesses escusos, interesses que visam o jogo do poder e dos benefícios da projeção, seja política ou financeira. E todos sabem disto. E se calam. E fazem o jogo das aparências. Maria Helena e Heleninha viveram toda a sua existência dentro deste mundo de cartas marcadas, de subterfúgios, de fingimentos e de meios sorrisos. Onde o talento nem sempre é tão recompensado quanto a capacidade de negociação. Onde a dedicação e os sonhos valem muito menos do que os conchavos e as amarrações políticas. Mas onde as comemorações e os aplausos se sucedem nos momentos de vitórias, quando a imagem das vencedoras é um excelente marketing.

Nenhuma delas é ingênua. Nenhuma delas pode alegar ignorância. Mas, certamente, há momentos de dúvidas, sobre o preço da convivência e da conivência com tudo isto. Como jogadoras, Maria Helena e Heleninha chegaram a ficar no banco porque, à época, havia clubes mais fortes que o delas, que exigiam que suas jogadoras fossem as titulares, apesar de terem menos talento. Como técnicas, nem sempre foram mantidas, porque o jogo continuava.

BCN Unimep

Nos últimos anos, dirigindo a campeã Unimep, já como BCN Unimep. Ao lado, Gustavo Alvim e Luiz Remunhão, dirigentes do basquete.

E é possível se sentir, no convívio mais próximo com ambas, que elas se sentem agredidas por saberem que muitos as julgam donas de um imenso patrimônio obtido através de fantásticos salários vindo do basquete. O relato do outro lado da vida de ambas mostra que não foi bem assim. Elas, inclusive, dizem que devem seu patrimônio muito mais ao que puderam construir através do carinho de Piracicaba.

Hoje, quando os salários são pagos em dólares, Maria Helena não tem um contrato mais do que verbal com o patrocinador de seu time. E continua acreditando que a palavra basta. Mas é possível se confirmar que, comparado aos salários de várias jogadoras, seus rendimentos são bem menores. Se o parâmetro for o dos técnicos masculinos, então, os percentuais ficam ainda mais escandalosos.

Uma das últimas frases que ouvi delas foi que se sentiam felizes, que a opção por Piracicaba fora correta. E que Deus lhes dava aquilo, que, profissionalmente, muitas vezes não conseguiam.

Mas a expressão de ambas me acompanhou após sair daquele apartamento. Uma expressão de cansaço, mesclado a uma profunda clareza quanto a sua opção de vida pelo basquete.

Quando, no jogo da vitória contra Cuba, chorei diante da televisão, apesar das visitas que estavam na chácara e que abandonei, conscientemente, por alguns minutos, senti uma imensa vontade de abraçá-las. E engraçado: vontade de abraçar a Maria Helena e Heleninha e não a qualquer das jogadoras. Elas me pareciam fortes, a imagem da vitória perseguida, capaz de recompensar mágoas, cansaços, decepções.

Nesta semana, ao sair do seu apartamento, continuava com a vontade de ainda abraçá-las mais uma vez, com muito carinho, com uma ternura muito especial. De dizer-lhes de minha admiração não por imaginá-las fortes, mas pela certeza de que eram realmente fortes, determinadas, apesar de várias lágrimas no rosto. A mim, muitas vezes, anteriormente, elas haviam conseguido fazer com que eu me sentisse brasileira. Desta vez, elas reforçaram a sensação de que a vida vale para se perseguir um sonho, mesmo quando tudo parece dizer contrário.

Esta matéria foi originalmente publicada no jornal impresso “A Província”, na edição de 10 a 29/agosto/1991. Para conhecer o texto na íntegra, acompanhe a TAG MariaHelena Heleninha.

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