Fantasmas e caso de amor

Ainda outra vez, digo de alguns amigos meus bisbilhoteiros. Escarafuncham-me a vida, principalmente questões de amor. O Taitson era um deles. Certa vez, eu escrevera de um romance que tive com a Lua e ele guardou a confissão. De quando em quando, lembra-me daquela paixão devastadora. Há algum, ele me enviou cópia do que escrevi, acho que para eu me sentir culpado por pouco falar da filha adulterina que tive com a Lua. Foi essa a confissão:

 

“Aquela estrelinha azul é minha filha. Ela nasceu faz apenas cinco dias.

Certa noite, a Lua estava cheia, ovulada, fértil, uma lua no cio. Entendi

que ela queria um amante e chamei o meu raio de luar. Voei, voei e, pouco

antes de amanhecer, tive um romance de amor com a Lua. Amei-a, amei-a e a fecundei. Faz cinco dias, surgiu aquela estrelinha azul. Eu sei que é filha

de meu caso de amor com a Lua.”

 

Pois bem. Isso voltou a despertar-me fantasmas. Não sou pai desnaturado e assumo a paternidade: a estrelinha azul é minha filha. Em noites claras, vendo-a, envio-lhe bênçãos de pai: “Durma bem, filha azul. Beije por mim a mamãe Lua e as outras suas irmãs, a dourada, a cor de rosa.” Pois tive mais filhas com a Lua, estrelas também coloridas que passeiam pelas amplidões. A última ninhada, semeei-a num amanhecer, à beira do lago de Santa Rita.

Era uma noite de Verão. A Lua estava especialmente sedutora, nua nas águas do lago. Desci de meu pangaré, fiz a baldeação, montei no meu raio de luar, lá me fui ao encontro dela. Eu me esquecera do violão, pedi emprestado o do Cobrinha, serenateiro de nuvem em nuvem. Belo e ingênuo como um anjo, Cobrinha não entendeu o que eu fazia por lá. Mais boêmio, o Pedro Alexandrino piscou um olho, tirou o Cobrinha de perto, deu-me o violão, cochichou para o Mané Alarcon: “Hoje, tem festa no céu. Lá vem ele, de novo, amar a Lua.” Esperei as estrelas curiosas adormecerem, vendo-as piscando e piscando e piscando. Não sei se dormiram, se fingiram. A Lua levou-me para o quarto dela.

Foi naquela noite de amor que ouvi a última fuga de Bach. A Lua riu-se de mim: já a ouvira, os anjos tocavam-na sempre. Pensei fosse variação, a Lua disse-me ser fuga. Nunca compreendi lá muito bem a diferença entre variação e fuga. Mas fui sendo seduzido, a Lua estava doce como favos de mel, era uma Lua de mel, esqueci-me do mundo. Esquecemo-nos do mundo e dos anjos e de deuses, a Lua e eu. E não percebemos os primeiros sinais do amanhecer. Então, com um beijo, ela pediu silêncio: “Shakespeare está dormindo aqui perto, naquela nuvem. Se ele souber de nós dois, irá chamar cotovia ou rouxinol para anunciar o amanhecer. Fique quietinho.” Enlevado, fechei os olhos.

Não percebemos, a Lua e eu, o arco-íris surgir com o amanhecer. Bach compusera a fuga com gotas de chuva que não vimos cair. As cores eram suspiros de Bach. Embriagado, bebi um gole do arco-íris, molhei os lábios da Lua com pingos coloridos, despedida de amor. Antes de amanhecer, fui-me embora no lombo do raio-de-luar. As águas do lago de Santa Rita estavam prateadas de sorrisos de lua, douradas de bocejos do dia. E, cúmplice meu, Renato Wagner coloriu o lago com pingos azuis.

Contei essas coisas, antes, para o bisbilhoteiro do Taitson saber que já nasceram dezenas de estrelas da cor do arco-íris. São filhas minhas, também. E, depois, para uma outra leitora, Maria de Lourdes, não se angustiar: loucos não estamos, não. Nem ela, nem eu. Loucos são os que sonham apenas de olhos fechados. Sonhar assim não é preciso. De olhos abertos, sonhar é preciso. Bom dia.

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