Liberdades

LiberdadesEssa discussão que se acirra em torno da liberdade da imprensa se reveste, em meu entender, do mais puro farisaísmo, no sentido pejorativo da palavra. A imprensa livre é um dos maiores benefícios aos povos do mundo também livre. E, no entanto, pode ser, também, um mal. Pois o sentido de liberdade não é tão simples como tem sido abordado e debatido pela própria imprensa, em rádios e televisão. Há uma imensidão de fatores que a envolvem, em especial a liberdade de expressão. Até onde vai esta? Há um amparo fortemente moral para que ela seja plena e absoluta? Na última quarta-feira, num jogo de futebol, um jovem torcedor resolveu se expressar, usando o que pensou ser sua liberdade e direito e atirou uma bomba no campo. E já houve quem, em nome da liberdade de expressão, pregasse o fim de etnias, de grupos religiosos, de comunidades inteiras.

O que a experiência de vida, não apenas de jornalista, me trouxe como aprendizado é que a única liberdade ampla, absoluta, total, plena que o homem tem é a liberdade de pensamento. Alguém é livre para pensar que irá soltar uma bomba nas Torres Gêmeas, mas será um criminoso se expressar seu pensamento concretamente. A expressão tem limites que vão desde o senso comum até a ordem legal. E vale também para a imprensa onde um dos valores mais importantes – que jamais deveria ser minimizado por chefes de redação e editores – é o do bom senso. E do respeito à verdade e aos leitores.

Lembro-me de quando, ainda adolescente e já trabalhando no “Diário de Piracicaba”, escrevi um artigo e o diretor Sebastião Ferraz – que foi um dos meus melhores amigos e mestres de jornalismo – não o publicou, censurando-o. Era um artigo, segundo ele, que não tinha qualquer interesse quer para o jornal quer para os leitores. Senti-me ferido e atingido em minha “liberdade de opinar” e, então, naquele mesmo dia, eu me prometi que haveria de ter um jornal apenas meu para, daí, escrever o que bem entendesse, sem dar satisfações a ninguém. Tive meu primeiro jornal, tive outros. E aprendi que era preciso policiar-me a mim mesmo, que minha liberdade de pensamento permanecia intacta, mas a de expressão era limitada.

Aliás, tornou-se clássico o episódio – não se sabe se real, se lendário – do jornalista Davi Nasser, um dos mais famosos do país à sua época, com o dono dos Diários Associados, o genial mas controvertido Assis Chateaubriand. Este censurou um artigo de seu principal jornalista, que reclamou, protestou, indignou-se. O velho Chatô deu-lhe apenas um conselho: “No dia em que você quiser escrever o que bem entende, tenha o seu próprio jornal.” Na realidade, o que Chateaubriand quis dizer é que a imprensa, no mais fundo de si mesma, nada mais é do que “a voz do dono”. Ela reflete o pensamento, a ideologia, as tendências, as preferências de seus proprietários. E o mesmo acontece quando o dono é o Estado. Ora, nenhum proprietário de jornal irá permitir que seu veículo transmita informações que contrariem os seus interesses e sua ideologia. Nenhum Estado totalitário permite que, sob controle, a imprensa se manifeste em oposição. Portanto, quando há interesses em jogo, a imprensa livre é simples falácia.

Há muitos e muitos anos, defendo a teoria de que, por ser tão importante o papel da imprensa, as comunidades é que deveriam ser proprietárias dos veículos de comunicação, elegendo, em votação direta, seus diretores. No mundo inteiro, são famílias, sim, as grandes proprietárias dos veículos, sendo preocupantes os tentáculos que o mega-empresário Murdoch estende por todos os países, em todas as formas modernas de comunicação. No entanto, há movimentos paralelos: jornais de bairro, rádios comunitárias, tevês das pequenas cidades. Os chamados “provincials papers” – pequeninos jornais de comunidades – é que irão influenciar os habitantes das cidades. E, agora, o milagre da internet, onde pessoas ou grupos de pessoas podem enfrentar monopólios e oligopólios de informação.

Esses atritos entre a grande imprensa e o presidente Lula ocultam interesses maiores. Mas não têm qualquer importância. O grande juiz da imprensa, o grande julgador é o leitor, são os telespectadores. Com o amadurecimento social, leitores, ouvintes e telespectadores saberão discernir a boa da má liberdade, a honestidade da informação da simples manipulação. E, então, usarão da maior arma que possuem: trocar de canal de tevê, deixar de assinar o jornal ou a revista. O que, no fim, sempre prevalece é a credibilidade do jornalista e do veículo. Nestas eleições, há, sim, indícios claros de manipulação. Mas nem eles podem arranhar o direito de a imprensa circular livremente, até que o próprio povo a julgue. Mas que a liberdade de expressão é relativa, isso é. Bom dia.

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