Crônica de uma morte anunciada

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céu

Foto: Reprodução Google

Uma amiga querida, muito querida, me fez a mais forte das revelações: ela vai morrer. Sim, todos nós vamos morrer, respondi. Ouvi um médico num programa muito bom de debates, dizendo que todos nós vamos morrer. De câncer, de AVC, ou de problemas cardiovasculares. Claro, como diria meu pai, ninguém vai ficar pra semente. A não ser que Deus tenha escolhido os Seus eleitos para uma Hora que só Ele conhece. Seleção de corações sólidos e bondosos, humildes e fortes, seres que repovoarão a Terra e tomarão decisões universais.

Minha linda, como você sabe que vai morrer? Ela respondeu que há anos conversa com seu Anjo da Guarda. Ela o vê, os cabelos longos e loiros, a veste, a túnica, e ouve a voz dele em seu íntimo. Teve uma visão da ampulheta se esgotando… Ele lhe revelou o ano, o mês, o dia e a hora de sua partida. Mas como? Sim, foi assim.

Chorei três dias seguidos e não quis acreditar. Sei que se trata de uma alma especial, de uma pessoa linda e cheia de graça em todo o seu ser. Uma criatura de grande sabedoria, de inabalável amor a Deus, de profundo conhecimento da Palavra, a ponto de doar-se e ir ao encontro dos amados irmãos para juntos beberem desta Fonte de eterna verdade.

Não, não pode ser, você está enganada. Você deve ter ouvido outra coisa. Não foi isso que o Anjo lhe disse. Ninguém pode saber o dia da própria morte.  Deus Pai não permite tal conhecimento, esta matéria pertence a território divino. Eu rebatia a revelação dela com argumentos próprios de quem está incrédula, arrasada, perplexa.

Serenamente, do outro lado, teclava comigo, confirmando que ouvira muito bem. Que o Anjo lhe dera a conhecer o dia de sua partida e ela estava mesmo com muita saudade da pátria celestial. Mas por que revelou para mim um fato tão angustiante e desesperador? Não sabia e não tinha coragem de contar ao marido, ele não teria estrutura para suportar tal notícia.

Onde encontrei forças para assimilar o que me fora revelado? Naquela noite, não dormi. Abraçava minha amiga em pensamento e pedia a Deus que Ele tomasse em Suas mãos o destino de tudo o que iria acontecer dali em diante. Ela adoeceria? Morreria de desastre, de acidente? Seria uma morte súbita, um enfarte fulminante? Como saber?

Então, num próximo encontro, teclando, perguntei se podíamos estar juntas naquele dia final. Propus irmos fazer uma Hora Santa dentro de uma igreja, uma Adoração ao Santíssimo Sacramento, onde se alcançam graças inimagináveis! Sim, bem na hora determinada pelo Anjo. Ela respondeu não saber se estaria disponível. Pensei que talvez queira ficar sozinha. Mas se o revelou a mim, sinto-me no dever moral e espiritual de estar ao lado dela, num momento em que talvez seja preciso tomar providências urgentes.

Ah, como ela ama o Espírito divino! Quanta dedicação, quantas horas passadas em Adoração para Este que é o Doador da Vida! Este que é o Sopro da nossa existência, Aquele que nos mantém de pé todos os dias. A Força suprema que nos sustenta e nos faz seguir adiante. Sem a inspiração do Espírito, como compreender esta vida, este mundo, o sentido de tudo isso? Pois é o Espírito que nos rege, nos ampara e nos guia.

Iluminada pelos sete dons que a fazem tão serena e bela, sente-se em paz, combateu o bom combate, concluiu a corrida, guardou a fé. Agora, aguarda a coroa da glória. Belo é o destino dos santos, belos são os pés dos mensageiros que anunciam a paz.

Minha amiga querida, onde está você? Permita-me partilhar deste adeus, se é que ele vai mesmo acontecer. “Nós?”.

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