1.500.000ª visitação e Chico Barrigudo

pictureO povo diz que homem e mulher, após os 50 anos, têm direito a quase tudo. Após os 60, mais ainda. E, quando se aproximam dos 70 anos, não há mais barreiras legais ou convencionais que os impeçam de sentir, viver, dizer, escrever o que pensam e em que acreditam. Mesmo que, para alguns, possa, isso, parecer vaidade tola ou orgulho sem sentido.

Ora, esta é uma coluna intimista que mantenho há exatos 44 anos, nos meus já longos 52 de atividades jornalísticas em minha terra. Dela, fiz, nestas décadas, meu espelho, meu confessionário, meu muro de lamentações, confidente de alegrias e de tristezas, de esperanças e de decepções. Esta coluna nasceu numa terrível madrugada de 1964, em plena revolução militarista, quando os sonhos se esfacelavam e a serpente rompera o ovo. Fi-la surgir na querida e saudosa “Folha de Piracicaba”, da qual fui diretor e, em seguida, proprietário com pouco mais de 20 anos. Escrever uma coluna descompromissada, intimista, foi a fórmula que encontrei para me salvar, espiritualmente, do massacre daquele cotidiano de horrores.

Próximo dos meus 70 anos, tenho a pretensão de roubar o título a Neruda e admitir: “Confesso que vivi.” E vivi vendo e ouvindo, participando e observando. As transformações foram alucinantes, em todos os sentidos. No jornalismo – iniciado nos meus imberbes 16 anos de idade – vi e vivi oficinas gráficas onde aprendi a escrever em linotipo, ensinado pelo inesquecível Ditinho Linotipista, frases feitas com chumbo. E, com letras de chumbo, eram feitos os títulos, letra por letra, ajustados num componedor. Na Folha de Piracicaba, a impressão era feita em máquinas planas, com duas páginas por vez, folhas por folhas, que, depois de seca a tinta, eram dobradas e transformadas em cadernos.

A inquietação sempre foi a constante de minha geração de jovens jornalistas, tipógrafos, artistas gráficos. Araken Martins, esse notável artista, fazia xilogravuras para imprimirmos como clichês, palavra que os jovens nem sabem o que significa. Para dar cor às páginas – e a Folha foi o primeiro jornal a fazê-lo – recortávamos as figuras em pedaços de linóleo, colávamo-los em tábuas, fazíamos uma primeira impressão em vermelho, outra em azul, a última em preto. Era um artesanato precioso, inesquecível.

Nos 1970, lembro-me de ter sido tomado por maluco, especialmente por minha confessa inabilidade administrativa. Pois adquiri a primeira máquina offset da imprensa interiorana no Brasil, apenas superada pelo maquinário de Bauru, que chegou primeiro que o nosso. Visionário, maluco, irresponsável, foi o mínimo que ouvi, pois offset era, ainda, um mistério, quase um milagre. Depois, veio a famosa “composição a frio”, um primeiro computador, de nome “linocomp” (se não me engano), com papel fotográfico. E o telex, e o noticiário via-teletipo. Tudo foi novo para mim, para nós, para Piracicaba.

Agora, eis aí o jornal eletrônico, o milagre da internet, a revolução da informática no mundo, a comunicação humana movida por um milagre de engenharia humana, o virtual surgindo em tempo real, um jornalismo empolgante, apaixonante que nada mais tem de visionário, nem de maluco, nem de irresponsável. A idéia de A PROVÍNCIA como jornal eletrônico e online mereceu, de muitos, chacotas, risos e meneios negativos de cabeça. Quando começou a se tornar realidade, vieram os boicotes políticos, a tirania dos medíocres que tentaram bloquear apoios culturais e publicitários.

Inútil, absolutamente inútil, pois o que há de mais revolucionário no jornalismo eletrônico são os seus custos infinitamente menores do que os impressos, radiofônicos e televisivos. Uma equipe pequena, às vezes um único jornalista, talvez um blogueiro – desde que responsáveis e com credibilidade – têm a fantástica oportunidade de opinar, de transmitir idéias, de informar sem que o poder político e econômico consigam bloquear esse imbatível poder que é o ideológico, o da cultura, o do pensamento livre e responsável.

Essas coisas, já próximo dos meus 70 anos, repito-o, digo-as por uma imensa, indescritível satisfação pessoal, como que de um dever quase cumprido, a certeza de o que foi maluquice, para alguns, ter sido uma visão consciente de nossa pequena equipe e dos que acreditaram em nós. Essa 1.500.000ª visitação que A PROVÍNCIA recebe, acolho-a como um prêmio, uma graça e, também, uma bênção. Estamos prontos para realizar o sonho de transformar A PROVÍNCIA na nossa tão sonhada pequena enciclopédia temática de Piracicaba. Com modéstia mas também com honesto orgulho, podemos dizer que poucas pessoas e instituições têm o acervo histórico, sobre Piracicaba – incluindo o iconográfico – como o deste jornal eletrônico. Ele pertence a Piracicaba. E é a Piracicaba que estamos entregando-o.

Se, com essa longevidade, homem e mulher estão livres de amarras, peço licença para comemorar: “Viva nóis, viva tudo, viva o Chico Barrigudo.” E bom dia.

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