13 de Maio e Isabel, a injustiçada

IsabelNão é qualquer novidade dizer estarmos ainda vivendo tempos de apologia ao descartável. Tudo, quase absolutamente tudo, tem sido descartável: honestidade, moralidade, honra, princípios, valores, símbolos, modelos, referenciais, memória, história. Vai-se, por isso, criando edifícios que ruem a cada sopro mais forte de novos ventos e modismos. O que vale hoje não tem mais qualquer validade amanhã. O perene – e há a perenidade da dignidade humana – passou a ser transitório. E o relativismo coloca ao rés do chão qualquer pretensão de um valor absoluto, tal qual, por exemplo, essa mesma dignidade humana, misteriosa e intangível.

Movimentos são exatamente o que a palavra diz: movimentos. São mudanças, passagens, deslocamentos, agitações, que nem sempre conduzem ou levam a algo superior ou verdadeiro. O Brasil, desde o saudável movimento contra a ditadura, passou a assistir a outros movimentos os mais variados, pelos mais diferentes motivos e interesses, modificações muitas das quais resultantes de passionalidades sem conteúdo racional. De um lado, há novos encantamentos e criam-se outros referenciais, que necessariamente precisam sepultar e desmoralizar os que os antecederam.

O surgimento da República brasileira é, ainda, a grande farsa que se não desmascarou por inteiro. Foi a derrubada de uma monarquia para a implantação de uma ditadura, forjada por militares, intelectuais muitos dos quais rançosos e fazendeiros frustrados em seus apetites. Até hoje, essa república autoritária – na realidade, uma monarquia de aristocratas sem majestade – permanece viva, em outros contextos mas com o mesmo espírito. E, paradoxal ou ironicamente, guarda todos os resquícios da monarquia que ela própria derrubou.

Livros recentes, de outra e mais purificada revisão histórica, recuperam a imagem da monarquia sob D.Pedro II. E encontramos virtudes e qualidades – ao lado de todos os vícios e prepotências monárquicas – que foram propositalmente escondidos. E, entre as virtudes, está a convicção libertária da Princesa Isabel, em sua luta, ao lado dos abolicionistas, para dar fim à escravidão negra no Brasil. Claro que, numa simples croniqueta, seria pretensão demais buscar qualquer análise aprofundada. O objetivo é, apenas, o de instigar a revisão dos últimos modismos e movimentos que transformaram a data de hoje, 13 de Maio, em algo menor perante os negros, com evidente menosprezo à grande luta da Princesa Isabel. Ora, pela consciência correta de ser necessária e justa a libertação dos escravos, a Princesa Isabel arriscou um reinado e o perdeu. Não foi o Baile da Ilha Fiscal – este, a gota d´água – a razão da queda da monarquia, mas a libertação dos escravos, a reação dos fazendeiros, a união espúria entre eles, militares e positivistas, dogmáticos mais a uma crença do que a uma ideologia.

É absurdo – como o fazem algumas lideranças de movimentos negros – justificar o menosprezo à Lei Áurea pelo fato real de não se criarem instrumentos de inserção social dos escravos e seus descendentes. Mas o mesmo ocorreu nos Estados Unidos, quando uma guerra civil ensanguentou a nação, dividindo-a, tendo a libertação dos escravos como causa maior, sem que, no entanto, se criassem estruturas sociais de readequação. A libertação foi um primeiro passo, num contexto histórico dificílimo e por força de uma determinação heroica da Princesa Isabel, reconhecida até mesmo por um dos grandes líderes negros de todos os tempos, André Rebouças.

Não são apenas os negros, descendentes de escravos, os que devem respeito à Princesa Isabel. Somos nós todos, a nação brasileira, que pode se envaidecer de, em nossa história, ter sido uma mulher que venceu preconceitos, lutas, interesses, conflitos em defesa de um ideal a que ela se entregou, aderindo aos verdadeiros abolicionistas. Se ninguém mais se lembra de Isabel, a Redentora, seria honesto e decente lembrarmo-nos, hoje, pelo menos de Isabel, a Injustiçada. Bom dia.

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