2011 e o credo do ego.

Um dos absurdos – senão o principal – de nossos tempos está na nivelação por baixo de tudo o que existe. Vão-se matando princípios básicos do humanismo, em favor de amontoados de novidades que desaparecem umas após outras, atropeladas por si mesmas. Estamos assistindo à destruição cujo objetivo parece ser o de não deixar pedra sobre pedra do que existiu.

Sociedades egoístas destroem-se por si mesmas. O individualismo transforma-se em doença de tal forma contaminadora que se torna endemia. E solapa sentimentos, emoções, a inteligência, até mesmo desorienta a libido. Pois a pessoa, vendo-se apenas a si mesmo num narcisismo doentio, não enxerga o outro, como se ele não existisse. E estamos presenciando a essa tragédia afetiva da morte das parcerias, do objeto do amor ser o próprio sujeito. Ao criar a sociedade narcisista – mais deletéria do que a hedonista – cada um se ama apenas a si mesmo e ao extremo. Ao narcisar-se, o homem mata o outro. Narcisando-se, a comunidade deixa de sê-lo.

É óbvio que estamos assistindo a um fantástico processo de renovação que ainda não entendemos. Esquecemo-nos, no entanto, de que renovações, transformações, mudanças causam vítimas. Assim, talvez seduzidos pelo novo, não percebemos que o passado está sendo assassinado. E é no passado que estão as raízes, essas que permitem as mudanças necessárias, como, na árvore, se dão o Outono, o Inverno, o Verão, a Primavera. A transformação ou se dá de maneira harmônica ou acontece como revolução, que é a destruição de algo anterior. Estamos diante da agonia da destruição de tudo, como um temporal que leva embora tudo nos bueiros, nas enchentes, nos espaços perdidos. A renovação é irreversível, mas a destruição total poderia ser evitada.

O ano de 2011 não é simples número de calendário. A desordem do liberalismo econômico – favorável a poucos, torturador da maioria – impôs o credo do ego: eu, acima de tudo e de todos. Nessa desordem, deixamos que fossem também para o ralo noções essenciais do sagrado da vida humana, das relações entre as pessoas, na família e no convívio social. Não se trata de professar esta ou aquela religião, mas de permitir que a ancestral espiritualidade – que é religiosidade natural – do homem encontre o seu espaço intocável de guarida e respeito. O credo do ego – uma cegueira e uma desordem mental – não considerara sequer a simples possibilidade da existência do belo, do bom, do solidário, do fraterno, do filial, do paternal.

A passagem de um para outro ano é, também ou especialmente, um rito de ordem espiritual, feito de esperanças, de expectativas, também de rendição de graças. A quem, não importa. Pois cada um pelo menos intui para onde voam seus sentimentos e emoções, sua saudade, sua esperança. Ano Novo, pois, é esse rito de passagem e não apenas uma data de calendário. Da mesma forma como há espaços sagrados – o templo, o lar, a casa – há o tempo sagrado, que foi celebrado desde a mais primitiva antiguidade, nas comemorações do plantio, da colheita, do início de cada estação. Ano Novo, pois, é tempo sagrado, mesmo que não seja verbalizado pelas pessoas, que, no entanto, o celebram em ritos e ações: a oferta nas praias, o prato de lentilhas, o uso da cor branca.

Em outro jornal, escrevi, como reflexão, o simbolismo profundo da soma dos numerais do 2011. Dois, mais um, mais um, igual a quatro. E o número quatro, desde Platão e Pitágoras, é o número mágico, completo, totalizante. Das quatro estações, dos quatro pontos cardeais, das quatro idades do homem, dos quatro ventos, do quadrante. Se tivermos sabedoria pelo menos de coração, haveremos de cuidar para que 2011 seja, também, esse ano mágico, de bem-aventuranças e sabedoria. Sejam, pois, bem-vindas as transformações necessárias. Mas que se preservem princípios sem os quais estaremos construindo castelos na areia. Assim seja para cada um de nós. E bom dia.

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