57 anos depois

Deu-me, novamente, vontade de estar em São Paulo, quando acontece outro aniversário da capital paulista. E não para ir em busca do tempo perdido. Mas, talvez, para outra longa viagem por dentro de mim mesmo. Ou pela paisagem vista da ponte.

Sei de forças e de coragem que me haverão de faltar. Tivesse-as, eu estaria, hoje, andando de joelhos pela Avenida São João, aguardando uma estrela de papel prateado colando-se em meu rosto na Praça da República, vendo e ouvindo seresteiros no Largo do Arouche. E ficaria assustado, inteiramente assustado, diante da inauguração da Catedral da Sé e do Parque do Ibirapuera, há 57 anos. Então, de joelhos, eu diria a meus netos: meninos, eu vi.

Perco o fôlego ao me dar conta do tempo que passou, do que vivi, vi, de imagens e cenas que, ainda agora, sou capaz de reproduzir e de descrever. Foi em 1954. E São Paulo completava, em 25 de janeiro, 400 anos. Era o IV Centenário. Eu tinha apenas 13 anos. E vi. É o que me espanta: em janeiro de 1954, com apenas 13 anos, eu vi. Com coleguinhas meus. Saímos daqui e fomos até lá. Como foi possível – pergunto-me – crianças irem-se por aí?

Agora, quero ir pela necessidade de ir. Em 1954, fui por desejo e por sonho e por paixão. Eu tinha saído de lençóis, na rua Costa Ribeiro, em Bauru. E me lembro do livro “Viver para contar”, de Garcia Marques. É um livro chato, pretensioso, acho eu. Mas, em suas memórias, Gabo Marques fala de sua primeira vez de conhecer mulher, ainda criança. E narra algo que diz de todos nós, daqueles anos: descobrir ter asas para ir-se pela vida. E, dos lençóis, caí na cidade quatrocentona, a nossa São Paulo, ainda a São Paulo da garoa. E a São Paulo do chá das cinco no Mappin, dos passeios ao estilo inglês na Barão de Itapetininga.

Eis pois que admito e confesso a minha perplexidade, meus sustos e interrogações: como pude estar em São Paulo, na noite do IV Centenário, vendo rojões naqueles céus ainda límpidos, o menino de 13 anos apaixonado por Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Lygia Fagundes Telles? Ainda me lembro da invocação do “Príncipe dos Poetas”, versejando diante da epopéia paulista: “Bandeira da treze listas…” Acho que vivi demais.

Passeava-se de bonde na Avenida São João. O Cine Marrocos era o mais belo das Américas. Mas, maior de todos, o Cine República. Na rua Santo André – rua transversal à 25 de Março – o restaurante Almanara servia 37 pratos árabes, ao preço de um. No Largo do Arouche, o apartamento duplex de meus tios Arthur e Gin Stolf estavam entre os mais chiques. Lá ficamos, meus amigos e eu, em nossos 13 anos. E, assustados, vimos a explosão de luzes anunciando os 400 anos de São Paulo. Foi há 57 anos. E eu me assusto.

Quero estar em São Paulo após as badaladas do 457º aniversário para render graças. . E despedir-me de coisas e de pessoas e de um tempo que já nem mais sei. O menino de 1954 é o idoso de 2011. Não há mais bondes, nem os chás das cinco. Acabou-se a garoa, lá se foi a majestade do prédio Martinelli. Preciso andar de joelhos. Sobrevivi. Que pena, ir-se acabando… Bom dia.

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