A castração da Polícia

Fogo e protestoNão paira qualquer dúvida: há corrupção na Polícia e excessos na ação. Mas isso acontece em todas as demais instituições e também na sociedade. Vivemos uma era de descontroles e desorganizações epidêmicos. A desordem se instalou desde que passamos a entronizar o lucro como valor principal e quase exclusivo da vida em sociedade. “O que vou ganhar com isso?” – essa é, quase sempre, a primeira pergunta feita nas relações humanas. Por isso, são verdadeiros heróis os que exercem suas atividades profissionais pensando, primeiro, no bem do outro ou da comunidade. São médicos, bombeiros, policiais, enfermeiros, advogados, clérigos, pessoas de todas as categorias profissionais e anônimos. Há, sim e ainda, idealistas. E a Polícia – por mais abusos e corrupção que a abalem – tem profissionais decentes, honestos e conscientes de sua responsabilidade social. E isso começa a ser percebido num crescendo animador.

Partamos, pois, do princípio de haver corrupção na Polícia e de ela cometer excessos. Como a sociedade, em todos os níveis. No entanto, parece haver – nos meios de comunicação – uma verdadeira orquestração para inibir a Polícia diante de tantos e até mesmo inexplicáveis movimentos de massa que se vão repetindo “ad nauseam”. Fala-se e protesta-se mais contra alguns excessos policiais em relação a manifestantes, do que em relação a vândalos, baderneiros e agentes políticos com claras e já declaradas propostas de usar a violência como forma de transformar a sociedade. Eles estão, absurda e nitidamente, rompendo direitos, violando leis, promovendo a anarquia social, usando da violência e da intimidação – e alguns veículos de imprensa querem que a Polícia permaneça passiva e cordial? Querem inibir e castrar a Polícia em favor do quê? Somente os tolos não previram que, com tanta baderna, não haveria uma ação e reação do poder público.

Há poucos dias, certa jornalista – âncora de um programa noticioso de tevê – admoestava um porta-voz da Polícia pelo que ela declarava ser “abusos policiais”. Mas, ao mesmo tempo,  na tela – aos olhos de milhões de espectadores – os mascarados depredavam portas de bancos, de lojas e atiravam pedras e objetos nos policiais. Como negar, à Polícia, o direito à reação enérgica diante da ação destrutiva de bandos que já se revelam criminosos? Por que falar-se em democracia quando grupos – como esses Black Blocs, fascistas modernos – agem exatamente para anular valores democráticos? É óbvio que nossa democracia é frágil, hipócrita e falha. Mas a violência a nada leva, nem da Polícia, nem da população. Pelo contrário, gera ódios, revanches, destruições.

Estamos assistindo – mesmo que críticos mais superficiais não o vejam – a uma renovação na Polícia brasileira e, portanto, a um esforço de revalorização. Há muito a fazer, muito, ainda, a caminhar. Mas não será tentando castrar a ação policial – como, em outro contexto e com razão plena, se fez durante a ditadura militar – que iremos evitar que a desordem se torne ainda maior e mais ampla. O movimento anárquico vive do caos. Querer que a Polícia silencie, aquiete-se, omita-se diante da barbárie é o mais estúpido convite para o suicídio social. É preferível a omissão a alguns excessos? Ou os baderneiros e vândalos não sabem que “quem sai na chuva é para se molhar”?

Se não nos despojarmos desse pessimismo crônico, desse ceticismo doentio – que parece ter-se instalado na alma brasileira – seremos cúmplices e comparsas da nossa própria degradação. As cidades – em passado não tão longínquo – sempre tiveram em seus policiais os guardiões da paz comunitária, tratando-os como amigos e respeitando-os como aliados da população. Temos que ir em busca desta realidade perdida. E não – como se insiste, agora – tratar a Polícia como inimiga. Que ajudemos a corrigir-lhe os erros e os abusos, corrigindo, também,  os nossos. E sepultemos o justo brado de Chico Buarque, tão útil à época mas desnecessário agora: “Chamem o ladrão.”

Sem receio de falsa modéstia, posso dizer que sei do que estou falando. Pois, durante o regime militar, estive entre os que mais condenaram e enfrentaram a violência e a corrupção policiais daquela época. Ou saímos do negativismo, ou continuaremos  no mesmo lugar de sempre. Bom dia.

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