A criança e o velho
Uma certa vez, li, num jornal de outra cidade, uma carta de leitor interessante, mais parecia uma crônica. Falava, ele, de um velho e de uma criança que, por bom tempo, via, todos os dias, na mesma rua. Então, refletindo, o leitor dizia de seu quase espanto quando percebeu que, após algum tempo, o velho tinha ficado mais velho e a criança, que ele vira sempre carregada ao colo, já andava pelas ruas. Era a vida, extinguindo-se para um, começando a surgir para outro.
O leitor, no entanto, se amargurava em suas reflexões, condoído do homem que envelhecia, como se a vida, que ainda lhe restava, não tivesse mais qualquer valor ou interesse.
Foi uma carta bonita. No entanto, revela o pouco que conhecemos das pessoas, de velhos e de crianças. A juventude se tornou símbolo de tudo o que parece ser bom, agradável, prazeroso, vital. E, com isso, adolescentes, crianças, velhos, anciãos, ainda que vivos, foram esquecidos por uma sociedade que, na verdade, nada mais faz do que se interessar apenas pelos que consomem e produzem.
Crianças ainda não são donas de sua própria vontade; adolescentes são economicamente dependentes; velhos não mais se iludem com supérfluos. Esse, aliás, é um dos arrependimentos de minha vida.
Desde a minha juventude, sempre convivi com pessoas mais velhas. Aprendi muito com elas, sempre me foi saboroso ouvi-las, o bom senso com que viam o mundo e a vida, a sabedoria diante dos acontecimentos. Lentamente, porém, talvez por ter mergulhado em tantas lutas, afastei-me dos mais velhos, fui deixando de ouvi-los, de estar com eles, de tentar aprender com o que tinham a ensinar.
Arrependo-me muito disso, pois, então, percebi que estava cercado de jovens por todos os lados, por moços que tinham ânsias de transformações, de mudanças, hormonais, telúricos, mas sem discernimento. Juventude não é tempo de discernimento, e isso é bom. Pois não podemos viver apenas das experiências alheias, da história de outros.
No entanto, eu é que fui sentindo-me deslocado, aborrecido, sem paciência para – ver, conforme os anos iam passando, a repetição daquelas mesmas valentias. Era a idade, chegando. Essa idade de reflexões, de alguma compreensão de poucas coisas, idade que, para mim, é um tempo de contemplação. Acho que era isso que o leitor, daquele jornal, não tinha percebido no velho e na criança. Não se passara a vida daquele homem, mas era um outro momento, certamente um momento mais rico onde e quando se vai descobrindo que, na vida, há belezas que foram esquecidas, ou que nunca forma vistas, tais os atropelos com que a levamos.
De repente, a simplicidade das coisas mostra o seu encanto. E ter uma criança no colo ou vê-la começar a caminhar é um privilégio para quem o redescobre. Bom dia.