A eterna presença dos mortos

O Sétimo Selo

O Sétimo Selo

O intrigante é que – sendo o único dos seres vivos que sabe que irá morrer – o homem fuja de pensar na morte. E vida e morte são irmãs siamesas, intimamente ligadas mas como forças opostas. Vai daí, a pergunta se impõe: quem foge de pensar na morte como consegue pensar a própria vida?

Parece, no entanto, que a morte – num tempo em que tudo se tornou descartável e apenas episódico – entrou no rol dos fatos naturais, apenas mais um entre tantos. É um simples falecimento, um fato atestável, sem um significado específico para o homem. Faleceu e acabou. No entanto, a morte tem, sim, um significado específico com a existência humana. E, então, o morto permanece vivo na memória dos que o amaram.

Não sou de ir a cemitérios em visita a mortos queridos. Nem mesmo a enterros e velórios. Compareço a alguns, apenas a alguns. Pois não me conformo com compromissos sociais diante da dor. Desde criança – quando os velórios se faziam em casa dos familiares – vi o espetáculo ridículo de o morto já estar esquecido em seu caixão, enquanto, ao lado, pessoas riam, conversavam, contavam piadas, comiam e até jogavam cartas. Não consegui, ainda na infância, ver o respeito pela morte, sua sacralidade. Hoje, sei que eu via, apenas, o falecido, visitas que iam a um falecimento.

Paradoxalmente, em todas as minhas viagens de lazer – e foram muitas, não todas as que eu queria, mas mais do que eu podia – fui conhecer cemitérios das cidades desconhecidas. Pois são eles o verdadeiro panteão da história de cada cidade. Neles, nos cemitérios, está conservada a memória do povo, no silêncio profundo que se faz revelador. “Aqui jaz Prudente de Moraes…” E eis toda uma história de um tempo. “Aqui jaz a mulher amada…” E eis a história de um homem.

As pessoas sem parente, sem amigos, desconhecidas, estas apenas falecem. Mas os queridos – amigos, familiares – que morreram, são mortos que permanecem vivos por vivos continuarem em nossa memória. Não vou a cemitérios por já ter visto – ao se abrir um túmulo – serem retirados ossos, cabelos e jogados num saco de lixo. Eles tomavam espaço. E, portanto, atrapalhavam a chegada de outro falecido. Depois de muitos e muitos anos, os despojos de quem ainda permanecem dentro do jazigo da família?

No entanto, tenho como que o meu altar de lembranças, de alguns dos meus queridos que se foram: os meus avós, dos quais conheci apenas uma avó; meu pais amados, D.Aníger Melilo, alguns  objetos que são sagrados para mim, minhas velas, um cantinho de lembranças e de orações. Nem sei onde sepultados estão os meus mortos queridos. Mas eles todos, todos eles permanecem vivos na minha saudade, nas lembranças agridoces, a cada momento em que meu olhar passeia por aquele que considero, sim, o meu altar de amor e saudade.

Falecimentos, pois, ocorrem muitos, se tidos apenas como fatos naturais. Falecem bichos, plantas, homens. Apenas morrem, no entanto, os que têm significado especial em nossas vidas. Mas permanecem vivos em nossa memória. Morrerão de verdade apenas se  esquecidos forem. Bom dia.

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