A idosa e amor em Latim.

De uma certa forma, o escriba – jornalista, escritor, poeta – é como o ator que precisa do palco e da platéia. Não existissem estes, a escrita seria inútil. E, como o ator, o escriba é aplaudido e apupado, agrada e desagrada. Mas há vida nessa comunicação, um élan quase sempre benfazejo. Pois a opinião do leitor – ao concordar ou ao discordar – é sempre um referencial para a escrita da jornada, que jornal nada mais é do isso: o relato da jornada, da “giornatta”, da “journée”.

Ao longo da minha já longa, longuíssima carreira posso dar-me ao privilégio de admitir não ter passado em branca nuvem. Recebi aplausos e vaias, fiz amigos e tive inimigos, estes mesmo que eu assim não os considerasse. Pois divergir é próprio de pessoas civilizadas. E denunciar é função primordial da imprensa e do jornalista, a menos que queiram ser apenas balcões ou administradores de negócios. Ou de classificados.

Poderia escrever muitos livros narrando minha vivência com leitores. E sei que seriam relatos os mais emocionantes desta jornada que se me alonga. Entre eles, os mais tocantes, suaves e carinhosos sempre me vieram de crianças, adolescentes e idosos, como se jovens e pessoas maduras guardassem, protegidas com capas de aço, emoções do coração. Aliás, de um amigo, acabo de receber algumas pérolas de sabedoria atribuídas a Saramago.Uma delas: ’Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia.’’ Outra: ‘’Tentei não fazer nada na minha vida que envergonhasse a criança que fui.’’

Minhas últimas emoções vieram-me de crianças que, numa escola de Campinas, liam e estudavam textos que eu havia escrito. Elas me mandavam opiniões, reflexões, interpretações que me pareciam mais sábias e universais do que havia nos meus escritos. Guardo, como um pequeno tesouro, dezenas e dezenas de cartinhas, de bilhetinhos, de rabiscos em páginas de caderno daquele universo infantil. São o meu prêmio. Pois se, como escritor, consegui ser entendido por crianças, consegui, então, falar ao coração e, por isso, rendo graças.

Nestes dias, às vésperas de Natal, recebi um bilhetinho eletrônico para mim especialíssimo. Era de uma leitora octogenária que, com desembaraço, se comunica por computador e internet. Ela costuma opinar sobre o que escrevo e até me envia mimos, “para tentar alegrar-lhe ainda mais a vida.” Emociono-me. E passei a gostar dessa mulher de 83 anos sem conhecê-la pessoalmente, amor de dileção, imantado por sua alma linda. Pois bem. Ela, deixando voar-lhe a alma, me escreveu dizendo de sua nostalgia de coisas e de belezas do passado. E me perguntava se eu sabia, ainda, frases em Latim que falassem de amor. Era do que ela tinha saudade: palavras de amor em Latim. Quem, em nosso tempo, pode viver esse sonho, a não ser alguém com alma de anjo como minha leitora octogenária?

Apelei para Ovídio, em sua monumental obra, “Ars Amaratoria”, a arte de amar. Escolhi um trechinho: “Forma bonum fragile est, quantumque accedit ad annos, fit minor, et spatio carpitur ipsa sua.” Em tradução de Natalia Corrêa e Mourão-Ferreira: “A beleza é um bem demasiado frágil, tudo aquilo que aos anos se acrescenta com rigor a beleza diminui: a própria duração a faz murchar.” Idosos entendem.  Bom dia.

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