A imprensa em julgamento

A discussão a respeito do papel e do comportamento da imprensa vai-se avolumando. Não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. E essa simples discussão já revela um mal em si mesmo, pois a história da imprensa, desde o seu surgimento, é feita de serviços aos povos, de lutas pela liberdade e pelos direitos. No entanto, algo aconteceu – e de muito grave – permitindo questionamentos que, antes, nem sequer eram imaginados, tal a cristalinidade do papel da imprensa, e sua credibilidade.

Obviamente, há que se falar em exceções, é preciso admiti-las. No entanto, em relação à imprensa, vai-se tornando cada vez mais difícil manter a confiança plena nos chamados grandes veículos de comunicação. E isso, não apenas no Brasil e em nosso triste subcontinente latino-americano, mas em todo o mundo. Pois a chamada “mídia” – pronúncia anglicista do latim “media”, significando meios – se transformou num negócio de grandes proporções, um dos mais rentáveis do mundo. Assim, longe se vão os tempos em que a imprensa tinha uma missão mais elevada a cumprir, como a de informar honestamente, buscar a verdade, opor-se a tiranias, ser aliada do povo. Atualmente, é um grande negócio que, como qualquer negócio, tem o objetivo final e principal: o lucro. E, como se sabe, o lucro tem ética e moral próprias.

Observemos o que ocorre na Venezuela, com a vingança clara e insofismável do presidente Chávez em relação à imprensa. No entanto, quando do golpe militar que o depôs, os aplausos de jornais foram uma das vergonhas de que, dificilmente, a imprensa haverá de se libertar. Os aplausos pela implantação de uma ditadura no país vizinho – no conluio entre o empresariado e o exército – tornaram-se mancha que comprometeu a imprensa quase que como um todo, guardadas as pouquíssimas exceções. O alinhamento foi automático à orientação dos Estados Unidos e do FMI. Um escândalo de tal forma constrangedor que foi desnudada uma lição que os países pobres e aviltados, como o Brasil, precisariam ter aprendido: o papel sujo do FMI, como aliado dos grandes grupos internacionais em detrimento dos povos e dos países. Foi vergonhoso: o FMI saiu em defesa dos golpistas da Venezuela e, de imediato, ofereceu ajuda financeira. Um dos então principais teóricos do FMI, Jeffrey Sachs, se disse “maravilhado” com o golpe militar, com o rompimento das estruturas democráticas. E, para se fazer justiça, é preciso lembrar que o Brasil, pelo Itamaraty e pelo então presidente Fernando Henrique, foi um dos primeiros a protestar contra o rompimento democrático. Juntamente com o PT de Lula.

A imprensa ficou de cócoras. Como está de cócoras diante da loucura de Bibi em Israel, dos genocídios na África, de governantes corruptos por ela apoiados aqui mesmo no Brasil, também nos municípios. É uma imprensa mostrando a serviço do quê e de quem está, aumentando as legítimas preocupações dos que estão vendo essa mesma imprensa fazendo um jogo sórdido para influenciar as eleições brasileiras, ainda outra vez. Pois essa imprensa se cala diante de todos os escândalos envolvendo governos estaduais e municipais, nos partidos aliados do pérfido modelo econômico neoliberal, em desavergonhadas camuflagens de verdades e exibicionismos de meias-verdades. Ela está em julgamento, sim. A imprensa atrelada a governos ou ao poder econômico trata o povo como cidadãos de segunda classe.

No mundo globalizado, não há nem mesmo um plano político de bairro que não se influencie pelo que acontece no mundo. As influências econômicas são intensas, terríveis. E, no entanto, o povo é capaz de vencê-las, derrotando até mesmo uma grande imprensa comprometida. O exemplo do que o povo fazem povos sofridos em todo o mundo, elegendo governantes que falam a voz dos humildes por mais contraditórios sejam eles; o que acontece com reeleições espetaculares na Venezuela, Colômbia, Equador, Bolívia, precisaria ser melhor e mais seriamente analisado, pois são povos falando linguagem diferentes do que a imprensa escreve. Há muitos e muitos anos, sou dominado pela consciência de que se futuro houver para a imprensa, ele está nas pequenas e médias cidades, onde o jornalismo se faz sob a fiscalização direta da população. Se a imprensa local também se comprometer, perderá a credibilidade. A internet criou novas e poderosas formas de manifestações contra as quais poderosos e políticos nada podem fazer. O povo é juiz da imprensa. Bom dia.

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