A justa e legítima greve da Polícia

pictureOs ranços da ditadura militar estão, ainda, acesos. Mais do que isso, acesos estão os preconceitos que cercaram o direito à greve – diante de injustiças e ilegalidades – que marcaram um tempo em que o Brasil se viu transformado como que em uma “república sindicalista”. Tais ranços e preconceitos toldam e enevoam análises e observações racionais, como se, diante de greves, opiniões e juízos se ativessem apenas à ordem político-ideológica, negando direitos e cegando-se a realidades brutais.

A greve da polícia paulista é das mais justas que o Brasil observa, e de uma legitimidade que clama aos céus. Somos um país em franco desenvolvimento, apesar da crise mundial que é, na realidade, a crise forjada pela ganância de poderosos e conivência de políticos. Neste país em ascensão, no entanto, há injustiças clamorosas e desajustes sociais que beiram o absurdo. Uma nação jamais haverá de se construir se, em sua base jurídica e moral, não houver um profundo senso de justiça e de busca civilizatória. E não haverá justiça enquanto os desajustes e desníveis não forem corrigidos para que se instalem o respeito e a responsabilidade na ordem pública.

Estamos diante de absurdos quase que inacreditáveis, de um irrealismo que beira o surreal. A palavra grega pólis é a chave de tudo. Políticos existem por causa da pólis; polícia é necessária para policiar a pólis. Polimento, policiamento, política, são parte dessa raiz que determinou o surgimento das cidades, do Estado, das nações. Por que, então, tanta distância entre políticos, que fazem e exercem a política, e a Polícia, que responde pela salvaguarda da ordem, da harmonia social, base do império da Justiça e do Direito?

Ora, os brasileiros estamos cansados de saber que a corrupção também minou os meios policiais. Da mesma forma como ainda mina os meios políticos, incluindo os poderes constituídos, todos eles e em todas as esferas, da União aos municípios: os executivos, os legislativos, as diversas instâncias do Judiciário. No entanto, há uma campanha surda, idiota e suicida para enfatizar a corrupção policial, quando a grande saída e a mais sábia das decisões está na valorização e na reabilitação do respeito que policiais, de autoridades aos graus mais subalternos, merecem e que a sociedade faz por exigir. Uma polícia insegura e desprotegida, sem futuro e sem expectativa, torna-se presa fácil de todas as tentações e desencantos.

A greve dos policiais é legitima e justa, especialmente num momento em que o Brasil se vê assaltado por todas as formas de quadrilhas, de organizações criminosas competentes e sofisticadas. Policiais são homens que, ao saírem de suas casas, estão se despedindo a cada dia de seus familiares, sabendo que podem não voltar. A Polícia está despreparada técnica, psicológica e estruturalmente. Não se investe no Poder de Polícia, que é a máxima segurança dos cidadãos. E não se firma a consciência de que um policial – com um salário inicial de 700 reais mensais, prevendo uma aposentadoria de 900 reais – arrisca a vida, protege filhos de bons e maus cidadãos, defende uma sociedade intrinsecamente corrupta, sem qualquer expectativa de futuro ou de segurança.

Há atividades, no Brasil, terrivelmente injustiçadas, na injustiça que acaba por explicar o nível cada vez mais acelerado das diferenças sociais, da criminalidade, da violência. Se professores são tratados com desdém; se policiais são vistos com desprezo que quase os nivela a bandidos; se funcionários da saúde pública são tratados como pessoas de segunda classe – como falar em desenvolvimento do Brasil? Ora, ou a nação se desenvolve como um todo ou será, ainda outra vez, uma terra de coronéis modernos, herdeiros de capitanias hereditárias e de sesmarias.

Estamos entre brasileiros que conheceram, em passado ainda recente, a responsabilidade e a decência da Polícia, depois devastadas pela própria anarquia que se fez em relação ao Direito e à Lei. Vimos e convivemos com policiais que eram protetores de nossas crianças, de nossos filhos, de nossos lares, homens que tinham acesso às casas de família, reconhecimento que fazemos em memória de homens-símbolo da Polícia de Piracicaba, o Cabo Trevizan, o Cabo Júlio, entre outros.

Basta uma comparação simplista: quanto o Estado paga, constitucionalmente, a um vereador de qualquer cidadezinha brasileira? E para fazer o quê? E quantos policiais são necessários para receber um único salário de vereador? Dez vereadores, por melhores e competentes sejam, valem mais do que um único policial decente, corajoso e honesto? A greve é justa. Os bandidos estão ganhando a guerra. E não é honesto que policiais fiquem entre duas opções trágicas: morrer nas mãos de bandidos, morrer de fome. Em nome de quê? Em defesa de quem? Que o tucanato, hoje responsável pelo governo de São Paulo, responda. E bom dia.

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