A maquininha idiota

Esse texto foi publicado no semanário impresso A Província em outubro de 1988. Recuperamos para lembrar os 3o anos de atuação na cidade.

É incrível a emoção que estou sentindo. Pensei que a experiência me valeria muito na vida e, no entanto, percebo, agora, toda a minha inibição diante de um corpo novo, jovem, ingênuo, quase, em seu silêncio sepulcral que apenas me olha, frio e estático, à minha disposição, pronto para me atender, mas distante.

Minha vontade profunda de tocar esse corpo, de tê-lo comigo em toda a minha intimidade, e tê-lo em sua também profunda intimidade. No entanto, ele me inibe, quase que me enregela, pois tenho esse corpo e não sei o que lhe dizer. Pior ainda: sinto que ele não me responde, que não participa, sendo apenas passivo, obediente, pronto para atender-me e servir-me.

Estou escrevendo, pela primeira vez, num editor de textos, uma certa maquininha toda cheia de charme, moderninha e modernosa, parece-me que ligada a um computadorzinho que as pessoas chamam de micro, coitadinho dele. Vejo tudo o que escrevo em uma telinha e é como se ela me olhasse diretamente no rosto, mas muito longe de meus olhos.

Não temos nada a ver um com o outro. Na verdade, eu tenho medo dela, um medo quase pânico, um medo de impotência. Ora, muitas pessoas me disseram, ao longo da vida, que eu sou um machão empedernido. E eu, para me defender, sempre disse que, na realidade, sou um apaixonado que vive o romantismo do dia-a-dia e que, por isso mesmo, gosta de que as situações estejam bem definidas, os papéis definidos: homem é homem, mulher é mulher.

Agora, porém, sinto-me machão assumido diante dessa maquininha idiota que parece ter mais forças do que eu mesmo, maquininha que me controla, ao invés de eu controlá-la. Não, não é bem isso, essa relação de controle de um para outro. É identificação, afinidade, valores, empatia. Não há disso entre nós, essa maquininha idiota e eu.

Ela é bonita, vistosa, jovem, com um frescor especial de mocidade, de modernidade. Mas não tem nada a ver comigo. Tenho medo de tocá-la, não sabendo de suas reações, de seus caprichos, de suas fantasias. E a verdade de tudo — sinto-o agora — está naquilo que venho e que tenho dito aos meus amigos: odiaria ter, hoje, vinte anos.

Pois me canso de aventuras, me canso de ouvir lengalengas, me canso de inovações e de modismos, de correr para lugar algum, saindo do nada para ir ao encontro de coisa alguma. Essa maquininha idiota é, para mim, uma adolescente atrevida, toda cheia de si mesma, pedante, empertigada, pretensiosa com a sua juventude, apenas isso.

Muito bonita, muito atraente, maquininha sexy. Mas eu gosto mesmo é de minha velha Olivetti, judiada, machucada, vivida, com suas rugas, sua flacidez, sua lentidão, suas estrias, os sulcos de um corpo que ainda vibra mas em novas e por novas vibrações. Eu não tenho, não, paciência para ficar aguentando neuroses e burrices de adolescentes, de gente moça demais, de gente que não pensa a não ser através de seu próprio corpo.

Essa maquininha idiota, onde estou escrevendo agora, é muito bonita, muito sensual, muito atraente, mas não tem emoções, não reage, não dialoga, não participa, é passiva, burra e apenas útil. Não quero isso, odeio pessoas ou coisas úteis. Amo as que vivem, que sonham, que reagem. Quero a minha Olivetti de volta. Esta maquininha em  que estou escrevendo pode ser a mais sexy do mundo, mas não me desperta qualquer desejo. E eu não sei amar sem desejo. Bom dia.

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