A palmeira

picture (28)De quando em quando, volto a contar sobre o que aconteceu, pois tem, ainda, gente boba demais na vida. Que acredita apenas no que vê. Ou no provado e no comprovado. Ou, talvez, no provável e no comprovável. Gente que acredita apenas no possível, no palpável, no que se entende. Ora, qualquer tolo acredita no que vê. Pois vê, vendo. E, vendo, vê. O formidável é acreditar no que se não pode provar, no que se não vê, no que se não entende. E, então, crer no que que parece impossível. Dizem a fé ser mais ou menos isso, mas não sei.

Muitos leitores sempre pensaram estivesse, eu, brincando ao contar de meu contrato com os deuses, ainda em vigor, para viver até os 126 anos, contrato que pretendo renovar. Tenho provas de que falei sério. Pois houve quem acreditou nisso, acreditando comigo. Volto a falar do José Flávio Leão, o primeiro a crer nesse meu contrato secular de vida. Aliás, antes de contar, quero dizer que mais bobos do que muita dessa gente boba têm sido prefeitos de Piracicaba em relação ao José Flávio. Uma cidade ter alguém como ele tem o mágico dos jardins, criador de paraísos. Em poucos meses, José Flávio Leão, com carta branca, transformaria Piracicaba num paraíso de flores e de cores, num jardim botânico, em imitação do Éden. Nunca entendi como políticos ainda não viram isso. Ou finjam não ver.

Pois, há cerca de dez anos, pouco mais, o José Flávio apareceu à entrada de onde moro e presenteou-me com uma plantinha. Era mudinha de uns 20 centímetros. De palmeira indiana. E o José Flávio me deu, por escrito, a história da palmeira: aquela mudinha levaria 80 anos para crescer. E, então, ficaria com cerca de 40 metros de altura. E teria uma única e fantástica florada, após o que haveria de morrer. Fiz os cálculos e vi que o José Flávio acreditava em meu contrato com os deuses: quando a palmeira chegasse aos 80 anos, com sua florada única e derradeira, eu estaria com quase 140. Plantei-a em meu jardim.

Sem pensar nos que desacreditaram, continuo regando a minha palmeira indiana. Ela já está com cerca de dois metros de altura. Diante dela, eu me sinto vencedor e privilegiado, a certeza de que grande parte do impossível já aconteceu. Desfaço-me da dúvida de contar, conto. A saúde fora-me atingida antes de plantar a palmeira em meu jardim. As parcas quiseram levar-me, recusei-me a ir. Convalescendo, eu caminhava pelo jardim onde a palmeira era menininha. E conversava com os céus, inconformado e com raiva. Era injusto que, estando adultos todos os filhos e vendo nascerem-me os netos, fosse-me impedido presenciar floradas das árvores que plantei, o crescimento delas, a infância da palmeira que o José Flávio me dera.

Briguei com os céus. Eu precisava viver. Mais do que precisar, eu queria viver. Para ver o jardim florir, cada árvore crescer, cada arbusto encorpar-se. E, se não cumprissem a parte deles do acordo comigo, seriam farsantes, os deuses. Eu cumpria a minha.

Ligo os esguichos, para regá-las, especialmente em noite de mudança de Lua. Ouço os bruxos. Segundo eles, duendes dançam em redor da água à luz do luar. Minha palmeira, já mais alta do que eu, deixou de ser bebê, cada vez mais viva. O impossível já me aconteceu.

Aprendi, assim, a ir além do que parece possível. Foi com sobras do que me disseram ser provável, com o excesso do que acharam fosse o fim. Não há fim. Há perdas. O segredo, vou aprendendo, está em reconstruir a vida com o que sobrou do que foi perdido. E maravilhar-se ao entender como as sobras são preciosas. Bom dia.

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