A solução para o trânsito é cultural
O traçado do arruamento de Piracicaba foi de um pioneirismo admirável. Basta ver os quadriláteros centrais, a harmonia dos quarteirões, como que traçados com régua e esquadro, as calçadas largas. Foi Nicolau de Campos Vergueiro, o Senador Vergueiro, quem idealizou a obra de arruamento, efetuado pelo Alferes José Caetano. A visão de ambos foi de verdadeiros visionários, pois as esquinas sextavadas já previam o tráfego de veículos, àquele tempo, simples carroções de bois.
O incêndio e o sismo que destruíram a cidade de Lisboa, em 1775, foi tragédia da qual o Senador Vergueiro, português – e nascido em 1778 – tirou lições fundamentais. Ele, criança ainda, viu a reconstrução da cidade, o novo planejamento. E – décadas depois – quando se instalou em Piracicaba fez o grande projeto de cidade racional e bela. Basta comparar o arruamento de Piracicaba com o de cidades da região como Itu, Sorocaba, Campinas.
Foram tempos em que cidades eram lugares de se viver, comunidades de pessoas humanas. As naturais transformações que mudam o mundo, hábitos, costumes, valores repetiram-se de geração em geração. E, no entanto, não serviram para aprendizado no exercício do poder público. O advento do automóvel – surgido para facilitar a locomoção de pessoas – fez com que, mais do que um instrumento de mobilidade, se transformasse em objeto de desejo e demonstração de poder. E o próprio Henry Ford – criador da produção automobilística em série – ao ver a aquisição em massa, por parte do povo, dos veículos – lamentou-se: “A cidade está condenada.” E um dos maiores estudiosos do urbanismo mundial, Lewis Mumford, decretou: “O automóvel é a vaca sagrada do modo de vida moderno.”
O problema é mundial. Cada cidade – com o povo já desesperado – procura a sua solução. Piracicaba teve um brilhante momento de lucidez na administração de José Machado e do PT, quando se colocou a mobilidade urbana em primeiro plano. Depois – como sempre ocorre – a oposição alterou os projetos iniciados. E o automóvel, os veículos continuaram a ser “as vacas sagradas”, invertendo-se a equação: ruas deixaram de ser para os homens, sendo, preferencialmente, para veículos. Até muitas das largas calçadas foram reduzidas, para se ampliar a passagem dos veículos. O transporte público foi esquecido. E outras alternativas jamais e sequer experimentadas. Pontes e passarelas – ridículas por sua ostentação, com gastos absurdos – foram criadas para servir ao caos do trânsito, como se pudessem desafogá-lo. E, como ocorre nos últimos tempos, ninguém protestou.
Soluções? É óbvio que o transporte público de qualidade é prioritário. Mas será inútil se continuar sendo “transporte para pobre”. A mudança profunda que se impõe é cultural, dificílima, portanto, de se alcançar. Para isso, há que se ter consciência coletiva. E como provocá-la? Talvez, pela forma que mais sensibiliza o povo: pelo bolso. Criar pedágios, sim, e não apenas parquímetros. Ora, Piracicaba foi na contra mão do mundo ao abrir as ruas centrais para veículos, numa coincidência estranha: justamente após a instalação do HSBC na rua Prudente de Moraes. O centro se tornou – ao contrário da tendência mundial – novo espaço para veículos.
Amsterdã – que tem transporte público de altíssima qualidade – resolveu o problema à inteligente maneira dos holandeses: não fazer nada, deixar estar para ver como fica. E o povo – congestionado nas ruas, sem lugar para estacionar – simplesmente resolveu andar a pé, de bicicleta, de motos, vizinhos revezando-se para se locomoverem num mesmo carro até o trabalho, à escola. Até riquixás, em algumas cidades, modernizaram-se. E motos com cabine para passageiro.
Piracicaba não tem solução – a não ser cultural – para o trânsito caótico, para a mobilidade urbana paralisante. Por que, então, não se criarem subsídios para táxis, facilitando os custos de usuários? Por que não pedágios centrais? Por que não uma campanha maciça para transformar o veículo não mais como uma demonstração de poder, mas como um testemunho de irresponsabilidade social? Por que não as antigas “lotações”?
Criar novas avenidas ou ampliar as existentes será apenas outra das muitas farsas à população. Ou maneira de alguém ganhar dinheiro. E muito. Piracicaba precisa de homens com visão de estadista e não de gerentes de obras com cartas marcadas. Bom dia.