A triste perda dos Reis Magos

Ouvi o lamento de uma jovem que, saindo de um lugar distante, quis passar a noite de Natal com sua família. Ela acalentara o desejo de rever os queridos, de reviver momentos de paz familiar. Em suas lembranças, estavam noites de Natal de seu passado, de seus pais e irmãos, todos reunidos para a ceia, a troca de presentes, a oração de graças. Deparou-se, no entanto, com a amarga surpresa: na casa dos parentes, não havia sequer um enfeite de Natal, nenhuma mesa posta, nenhuma palavra sobre a data. E, entre grandes goles de cerveja, os familiares estavam dedicados ao jogo de baralho, ao som de “rock da pesada”. Não foi Natal para ela. Como não mais tem sido para muita gente.

Na verdade, estamos cometendo crimes sem perdão, esses de matar a memória, de soterrar tradições, de banalizar o que a humanidade traz, há milênios, de sagrado. Não iremos deixar heranças dignas de uma história digna. Pelo contrário, ajudamos a plantar o caos, permitindo destruições a partir de cada concessão feita à iconoclastia dos tempos. Se houve até quem tivesse proclamado o fim da História, por que, então, se haveria de conservar tesouros já que se tornaram descartáveis?

Dia 6 de janeiro é dia dos chamados “Reis Magos”, data rica de significados. Os povos comemoravam-no com alvíssaras, à rememoração das honrarias com ouro, incenso e mirra àquele que seria “o salvador”. São todas belas, as mais diversas versões do evento. Foram profetizadas a visita à manjedoura e as oferendas. Com o tempo, entendeu-se que os magos representaram, ao mesmo tempo, a adoração de três continentes e das três idades: o infante, o homem, o ancião. E os presentes carregavam-se de simbologia: o ouro, sapiência de um rei; a mirra, a força purificadora; o incenso, oferenda e oração. E seriam, também, a representação do sofrimento, da ressurreição e da glória do recém-nascido.

Na crença popular, o Dia dos Reis encerra os 12 dias e noites ásperos que, a partir do Natal, preparam a transição. É o período que rompe a ordem antiga e conjura demônios para oráculos determinarem o ano entrante. Há uma lenda saborosa também a respeito. Diz que, antes de ser expulso do Paraíso, Adão guardou os tesouros recebidos por Deus numa caverna sabendo que, num tempo futuro, seria anunciado alguém, por uma luz de outro mundo, digno de reaver aquelas riquezas. Quando a estrela apareceu, a que foi prognosticada há milênios, os Magos do Oriente foram levados em direção à caverna de Adão, onde encontrou o ouro, a mirra e o incenso com que honraram o menino judeu, nascido na estrebaria.

Na infância de minha geração, o Dia de Reis era celebrado de forma singela pelas famílias, colocando as crianças em primeiro plano, elas que melhor poderiam representar o final dos 12 dias de prostração após o Natal, anunciadoras de um novo tempo. Nos sapatinhos das crianças, eram colocados pequeninos mimos – uma bala, um chocolate, uma bolinha de gude – como sinal de novos tempos. Tratava-se de uma herança cultural, de uma civilização ocidental que bebeu suas origens no Oriente.

Reis Magos, na crença popular, eram personagens amadas que chegavam de longe para abençoar. O povo tinha em quê acreditar, até mesmo em mulas sem cabeça, em bruxas, em fadas, em bons augúrios e em maus olhados. Crenças populares e religiosas são tesouros imensos que enriquecem a alma coletiva. Em vez de serem ópio do povo, são seu alimento, sua esperança, a motivação para superar lutas, dificuldades e dores. A triste perda dos Reis Magos é como que uma maldição. Mas tinha que ser assim. Pois, desde que se esqueceu do menino na manjedoura, que importância teriam os Magos do Oriente que viajaram através do tempo e do espaço para render homenagens a uma criança? Que 2010 consiga conter o suicídio espiritual coletivo. Bom dia.

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