A velha e mágica gengibirra

picture (48)Deu-me, de repente, uma vontade danada de tomar gengibirra. E, com tal vontade, uma outra, a de recuperar coisas mágicas da infância e da mocidade. Gengibirra – por quê não se cuida mais dela? – é marca mais caipiracicabana do que pamonha, tanto quanto a pinga. Vem, como produto industrializado, desde os tempos do pai de Thales de Andrade, o nosso escritor das crianças. E passa pelo velho Orlando, patrimônio da família até hoje.

Certa vez, o jornalista Mário Evangelista – um da plêiade de rapazes que começou comigo em O Diário – ensinava aos jornalistas mais jovens, chegados à cidade, que nenhuma experiência anterior valeria para exercer o jornalismo em Piracicaba. Explicava: “Piracicaba é um outro país.” Ora, sempre fui acusado de um bairrismo quase doentio, minha paixão patológica por Piracicaba. Mas nunca me arrisquei àquela preciosidade do Mário Evangelista e, a partir dali, passei a proclamar e a espalhar por onde posso e passo: “Piracicaba é um outro país.” E um país melhor que os outros, friso.

Tirante a paixão entranhada dos enamorados, basta um mínimo de observação para se perceber peculiaridades que estabelecem diferenças, criando um estilo de ser, maneiras de viver, até mesmo um olhar diferenciado para os acontecimentos. Por aqui, as coisas mais conflitantes parecem acontecer num mesmo tempo e de forma harmoniosa: o antigo com o novo, o conservador com o arrojado, o rançoso com o pioneirismo. Tudo posto num bom tacho de bronze, mexido com pá de madeira da terra, cantando ou assobiando o “que eu adoro tanto” – e eis, aí, o prato feito em casa, trivial caprichado, pronto para se servir a nobres e plebeus.

No entanto, quando o objeto está muito próximo dos olhos, quase não dá para enxergá-lo. É, ainda, o velho exemplo: alguns enxergam a árvore, não vêem a floresta; outros, vendo a floresta, não distingue árvore alguma. Vejam nossas festas populares: Paixão de Cristo, do Milho, do Divino, a festa da polenta em Santana, a das Nações. São espetáculos que arrastam multidões. Mas há piracicabano que prefere dar as costas a seu próprio umbigo, que se há de fazer?

Retorno à gengibirra, à vontade repentina de tomar goles largos e fundos, aqueles que os nossos antepassados diziam da bebida nossa de cada dia: “Gengibirra é bom pra arrotá. “ Há alguns anos, contei de um episódio realmente impressionante. Em Campinas, um garotinho, deficiente mental, deliciava-se apenas com gengibirra, mas com um detalhe importante: tinha que ser gengibirra de Piracicaba. Um velho e querido amigo, há pouco falecido, o escritor J.Toledo me escreveu quase que indignado, querendo saber que caramba de bebida era aquela, tão prazerosa ao menino deficiente.

Generosamente, o Renato Orlando enviou uma caixa do refrigerante ao garoto e o escritor J.Toledo e seus amigos também se regalaram com a beberagem mágica “made in Piracicaba”. Escreveu-me: “A gengibirra fez sucesso total. Todos perguntam curiosos porque não se encontra a bebida por aqui também. Pensa-se seriamente em se criar até um lobby gengibírrico para espalhar a delícia que, segundo experts (e aí, é claro, não entra o jovem João Gabriel), combina perfeitamente com pinga, vodka, gim e por aí vai.”

Até hoje, não entendi como Piracicaba não se assume como um “outro país”ou, pelo menos, como “Capital do Sertão”, mesmo que sertão seja, hoje, apenas figura poética. Seria atração nacional e – agora com a tecnologia do etanol boquiabrindo o mundo – Piracicaba podia se vangloriar de um estilo de vida singular. Ora, em outros países, bebe-se “whysky & soda”. No país chamado Piracicaba, poderíamos esnobar com um coquetel refinadíssimo: “pinga e gengibirra”. Com cuscuz e, depois, pamonha de sobremesa. Bom dia.

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