Absolvição de Maluf e de Quércia.

Famoso homem público de Piracicaba, figura respeitada, frequentava as páginas dos jornais escrevendo verdadeiras catilinárias contra o então governador e líder político Adhemar de Barros. Este, tido como corrupto, torna-se símbolo de ladroeiras governamentais que, no entanto, nunca foram provadas. A única condenação de Adhemar fora por ter-se apropriado de uma urna feita por índios amazônicos, a famosa “urna marajoara.” No entanto, como mais valem as versões do que os fatos, Adhemar se tornara como que a própria corrupção encarnada, dando margem ao surgimento de outra bandeira moralista que levou o tresloucado Jânio Quadros ao poder.

Em Piracicaba, aquela personalidade, tida e havida como sem mácula, continuou a sua cruzada anti-ademarista, cada vez mais agressiva e impiedosa. Até que, um dia, líderes de Adhemar de Barros descobriram que, em uma outra cidade, o furibundo panfletista tivera um processo litigioso de separação judicial e, nos autos do processo, o ilustre piracicabano alegara que sua mulher o traíra, apresentando como prova laudos médicos em que relatava ter-lhe, ela, transmitido grave doença venérea. Sem hesitar em invadir a vida pessoal do polemista adversário, os adhemaristas passaram a exibir cópias do processo, proclamando: “Esse cidadão é um corno por sentença.”

Caso inverso ocorre, agora, com Paulo Maluf. Combatido, denunciado, acusado por já longas 40 décadas, Paulo Maluf tem-se desvencilhado de todas as denúncias e acusações, reelegendo-se com votações espetaculares, como aconteceu ainda na última eleição. Adhemar de Barros só teve sua carreira interrompida por ato do golpe militar, pois era amado por seus eleitores, que o seguiam e o consagravam eleição após eleição, a não ser em casos acidentais. A lei da “Ficha Limpa” fez com que parte da população acreditasse que, enfim, Maluf fosse contido, alcançado, impedido de candidatar-se. Foi outro ledo engano, doce para ele, amargo para os demais. Pois Maluf, agora, pode ostentar, garbosamente, o título de “inocente por sentença”, pelo menos em relação ao chamado “frangogate”. E o povo que se dane, não é mesmo? Mais ainda: Maluf passou a ter todo o direito de processar, chamando à justiça, quem disser ou escrever seja ele um político corrupto.

E outro absolvido foi Orestes Quércia, tido como herdeiro do estilo e dos métodos populistas do velho Adhemar de Barros. Toda a carreira de Quércia, desde quando vereador em Campinas, foi pontuada por denúncias de corrupção. E um histórico dessa trajetória foi magistralmente registrado pelo “Estadão”, através de uma resenha do jornalista José Maria Mairink. Vereador, deputado estadual, prefeito de Campinas, deputado federal, senador, vice-governador, governador de São Paulo, Quércia teve uma ascensão meteórica, criando verdadeiras redes sociais de apoio político. Quando, em 1974, se elegeu senador, numa surpreendente vitória contra o Senador Carvalho Pinto — este, um dos mais íntegros homens públicos do país — Quércia quase foi impedido de tomar posse por força do arbítrio militarista, que o considerava corrupto. Mas venceu a parada e fez carreira brilhante. Agora, a morte o absolveu. Pois, no Brasil, todos os mortos são absolvidos, num silêncio supersticioso que nada tem de justo.

De qualquer maneira, a partir de agora, Paulo Maluf e Orestes Quércia são inocentes. E ninguém pode falar nada em contrário. Bom dia.

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