Afinal, cidade o que é?

Ao contrário do que desinformados e mal-intencionados pensam e apregoam, é absolutamente falso e enganador o que, em Piracicaba, está sendo chamado de desenvolvimento. Trata-se, na verdade, de crescimento desordenado, da prevalência de grupos minoritários sobre maiorias desajustadas. Não se pode falar em cidade progressista ou em desenvolvimento harmônico em meio a desordens, desajustes, desequilíbrios sociais e carências coletivas. Cidades não são apenas ruas, avenidas, indústrias, mas espaços admiráveis criados pelo homem para a convivência pacífica e a segurança comum.

A cidade é, por isso mesmo, uma das mais notáveis criações humanas, resultando de um processo ancestral de busca, de conflitos e de encontros. Quando a humanidade deixou de ser tribo, desistindo da vida nômade para estabelecer-se num espaço seguro e confiável, começou a criar-se a cidade. E, não por acaso, a cidade foi, desde o início, constituída sob a forma quadrada – como, ainda hoje, se inspiram as quadras e quarteirões – pois era a figura geométrica perfeita para os grupos humanos se instalarem como que protegidos pelos quadro pontos cardeais. Povos nômades, quando descansam e param provisoriamente, criam tendas em círculos. As cidades surgem para encerrar, num tempo, um ciclo de nomadismo.

O que é uma cidade, hoje? Eis, talvez, a pergunta que não se faz, a reflexão que deixou de existir, pois, por despreparo de dirigentes e da classe política – além de mil outros fatores, incluindo a selvageria do capitalismo desordenado, o homem sendo usado pela economia – cidades se tornaram lugares caóticos, quase que praças de guerra, espaços de conflitos. No entanto, desde a sua ancestral criação, a cidade humana é o espaço sagrado onde a vida em comum se realiza.

Desde tempos imemoriais, a cidade foi, para os grupos humanos, o santuário, a aldeia, a fortaleza, o lugar para onde o homem-caçador passou a voltar, indo ao encontro e ao abrigo de sua família, de seus entes queridos. A cidade é o lugar onde se construíram os templos para a veneração de deuses e espíritos, onde se erigiram cemitérios para honrar a memória dos queridos. Lugar de amar, de educar, de conviver, de crescer, de conviver. Megalópolis são outra realidade, confusa, caótica, desorganizadora. A cidade tem o simbolismo inicial que os antigos lhe deram: o da mãe, do útero. Quando perde esse sentido, ela se torna a prostituta, a corrupta e corruptora e, então, em vez de bênção e de vida, ela passa a atrair morte e maldição. Já acontece em Piracicaba, diante da voracidade de grupos que se mancomunaram em torno do poder político e econômico, já que, em nossa cidade, o poder ideológico desfaleceu, sem homens que pensem, que reflitam, sem líderes culturais que mostrem caminhos e convidem à reflexão.

O grande desafio humano – desde a cidade egípcia à cidade helênica – está em estabelecer o equilíbrio entre o individual e o comunitário. Quando Morus escreve a Utopia, o seu ideal de cidade enfatizava os aspectos mais generosos do ser humano em sua relação social, que é um aprendizado e, por isso, somente se alcança pela educação. Hoje, quando se fala em “Hyundainópolis”, poucos se lembram de que a ideia e o conceito originais e primitivos de cidade foi a “Heliópolis” primordial, cidade do Sol, da luz, que trazia aconchego, proteção e esperança. Babilônia foi outra coisa, ruim e perniciosa, precursora dos tempos ainda babilônicos que vivemos.

A nenhum lugar iremos, senão para o caos, se Piracicaba não se detiver para pensar, refletir, estudar, meditar e, então, decidir qual a cidade que o povo quer, onde deseja viver, o que espera e projeta para seus descendentes. Mas quantos são, entre nossa gente, os que ainda pensam ou, pelo menos, querem se dar ao trabalho de pensar? Há, no mundo todo, um retorno a princípios perdidos, incluindo os da cidades, cansadas de serem babilônicas, deixando de ser preferenciais em relação às pessoas. Aqui, a cidade está sendo remexida em favor das máquinas. E dos que as constroem. O ser humano piracicabano está sendo colocado à margem. E isso diz respeito a bárbaros, não a civilizados. Cidades são construções humanas idealizadas para enfrentar a barbárie. Se se tornam também bárbaras, deixam de ser cidades. Bom dia.

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