Ainda, estética de bordel.

Já escrevi sobre isso após ler, num caderno literário, a opinião de um jovem compositor em relação à maneira, hoje, de ser e de estar de mulheres. Penso ter, o rapaz, definido aquilo que temos pela frente, um simples olhar à paisagem humana. Perguntaram-lhe o que mais o atraía nas mulheres: alguma peça de vestuário, um gesto, um fetiche. Ele foi objetivo: “Nada me atrai. É uma estética de bordel.”

Senti inveja dele. Pois me pareceu tão perfeita a observação, tão clara e simples, que me lamentei por não ter sido eu o criador da expressão “estética de bordel.” Faltaria, apenas, definir qual bordel, pois houve bordéis respeitáveis, daqueles que inspiraram o samba famoso, acho que de Billy Blanco, “Estatutos da Gafieira”. Pois era isso: até a gafieira, naqueles tempos, tinha estatuto, a necessidade de uma mínima ordem mesmo na bagunça. Zona de meretrício que se prezasse tinha ordem, estatuto, regras. Agora, quase nem mesmo entre vizinhos há convivência respeitosa. É um vale tudo. Logo, ninguém sai ileso, uma guerra sem vencedores.

Pois bem. Não sei a que bordel o jovem compositor se referiu, nem mesmo sei se ainda existem lugares mais reservados, pois as cidades se tornaram bordéis a céu aberto. Certa vez, a respeito da prostituição aberta nas ruas, perguntei a um delegado amigo se ainda existia a figura do “atentado público ao pudor”. Ainda existe, confirmou-me o delegado, enfatizando, porém, que a prostituição podia estar nas ruas em nome do direito, de mulheres e travestis, de “ir e vir”. Perguntei-lhe, então, como ele reagiria se a prostituição declarada se desse na calçada da casa dele, bem diante dos olhos das filhinhas e da mulher? O doutor não respondeu.

Ora, estou suficientemente velho para entender que, na vida e no mundo, realmente tudo é possível. Filhos matam pais, pais matam filhos, há incestos, violências, canalhices, ao lado de carinhos, de generosidade e de concórdia. Mas tudo é possível. O ser humano permanece debatendo-se contra o diabo, que, na verdade, é ele mesmo, o tal “herdeiro do pecado”. Logo, parece ser defeito de fabricação. Basta deixar o toucinho na mesa que, de repente, ele desaparece. Fica-se buscando respostas: “Cadê o toucinho daqui? O gato comeu. Cadê o gato. Tá no mato. Cadê o mato? O fogo queimou. Cadê o fogo? A água apagou. Cadê a água? O boi bebeu. Cadê o boi? Tá amassando trigo. Cadê o trigo? A galinha espalhou. Cadê a galinha? Ta botando ovo. Cadê o ovo? O frade bebeu. Cadê o frade? Tá rezando missa? Cadê a missa? A missa acabou.” E começa tudo de novo.

As coisas vão e voltam, terminam e recomeçam. Quando, na juventude, imitando os Beatles, usei a primeira camisa vermelha e deixei os cabelos compridos, meu pai quis punir-me, bufando: “É o fim do mundo, está tudo de cabeça para baixo.” Minha mãe tentou consolar-me: “Isso não é assim tão ruim, filho. Apenas é feio.”

A questão, pois, era menos de costume e mais de ordem estética. Se fosse bonito, talvez ninguém reclamasse. O problema está, penso eu, em definir: a estética influencia a ordem moral, a ordem moral influencia a estética? A arte imita a vida, a vida imita a arte? Conforme a resposta, não seria, o nosso, um tempo com estética de bordel. Mas um bordel com a estética de um tempo. Bom dia.

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