Alegria de palhaço
Um dos escritores que mais marcaram a minha geração foi Thomas Merton. Estranhamente, ele – um monge católico, com uma vida anterior atribulada – chegou ao coração das pessoas através de análises profundas e acuradas, de alto alcance social. A pobreza, a guerra do Vietnã, injustiças, racismo, a guerra nuclear e, enfim, a injustiça social no mundo foram os temas aos quais dedicou sua vida. A própria Igreja e os irmãos do mosteiro tentaram calá-lo, mas não o conseguiram.
Um de seus livros, em especial, despertou-nos naquela época – décadas de 1960/70 – à reação contra a situação mundial. E o título parecia dizer tudo: “Reflexões de um espectador culpado”. Ele, Merton, com todo o seu amor à humanidade, sentia-se culpado por ser apenas um espectador. E nós, que não tínhamos rumo e, por isso mesmo, vivemos utopias revolucionárias e muitas vezes equivocadas?
Penso em Merton e naquele livro, agora que me vou colocando – cada dia mais intensamente – como observador da cena mundial, dos nossos tempos, desse hoje que parece um deserto de homens e de ideias. Sinto-me culpado também. Pois, apesar de todas as lutas, esperanças, ideais, sonhos, convicções – vi os donos do mundo apoderarem-se do planeta, transformando-o apenas num grande e imenso mercado. Conseguiram dar, a multidões, novo pão e novo circo. Mas a exclusão humana se tornou a mais pérfida, talvez, da história. A mentira oficializou-se. E a farsa de tornou parte do cotidiano.
Essas impressões, tive-as ainda mais acentuadamente nos últimos festejos natalinos. Comércio e indústria queixaram-se de o consumo ter diminuído em percentagem ínfima. Mas diminuiu. E não significou nada, pois o povo consumiu mais do que pôde e praticamente sem saber o que fez. Comprar virou compulsão. Compra-se sem precisar, compra-se sem saber porquê, compra-se por ansiedade, compra-se porque se tornou vício comprar.
Lojas, supermercados – aos olhos deste espectador também culpado – foram o cenário mais patético – para não se dizer que trágico – para massas hipnotizadas, desnorteadas, ansiosas, inquietas. A melhor comparação, talvez, pudesse ser a de um grande circo onde os palhaços – consumidores, na verdade – tentavam dar um significado ao Natal, rindo por fora mas chorando por dentro. Dia e noite, durante todo um mês, a visão era desoladora: pessoas amarguradas tentando rir, sorrir, alegrar-se; pessoas sem consciência, rindo mas chorando na alma. Rostos sombrios, pressa, correria, atropelamento de manada, cansaço profundo, indiferença de uns para com outros e a absurda, espantosa marca de nossos tempos: ninguém olhando nos olhos do outro.
Como se sabe, alegria de palhaço é ver o circo pegar fogo. Só que, desta vez, são os palhaços – por inconsciência, por cegueira, por insensibilidade, também por ingenuidade – que colocam fogo no circo. Mesmo assim, os donos ficam felizes. Pois têm muitos outros circos para explorar. Bom dia.