Amargura e perplexidade

Alguém me diz que ando amargo. E como poderia não estar? Quem, com um mínimo de sensibilidade ou de consciência, não há que ficar com travos de amargura? Mais do que amargo, estou é atônito, uma sensação cada vez mais atordoante de perplexidade. Perderam-se as estribeiras, os Controles, como que as mínimas noções de construção Social.

Essa besteira safada de “liberalismo” — que prepara uma economia do interesse apenas de alguns — está aumentando o individualismo das pessoas, aguçando o egoísmo, a febre e a fome consumistas. Ora, eu acredito na individualidade, na importância fundamental de as pessoas serem livres e libertas – mas há limites e fronteiras em relação à convivência social. Estamos sempre presenciando crimes incruentos, mortes silenciosas, assassínios sem armas. É como se tivesse havido o estouro da boiada e, assim, uns atropelam outros, na corrida enlouquecida para lugar nenhum.

Um dia, um jovem veio trazer-me o convite para seu casamento. Começou a falar da noiva, dos planos para o futuro, finalmente me afirmou: “Fizemos um bom negócio, para as duas partes.” E conheço um casal que, unindo-se, não cogitaram de casamento, preferindo um contrato em cartório de “ajuda e assistência mútuas”, com prazo definido e cláusulas indenizatórias. Pois aí está: até o amor ou a relação entre homem e mulher virou negócio, acerto, entendimento.

Ora, que diabo é isso? Que sentido tem viver apenas com o objetivo de lucrar de alguma forma, de beneficiar-se apenas materialmente? E alguém me diz que estou amargo, como se fosse possível não estar.

É perplexidade, minha absoluta falta de compreensão e de entendimento diante de algo que me parece um suicídio coletivo ou a extinção de uma raça ou de uma espécie que foram tidas como especiais, a raça e a espécie humanas.

Confesso que me seria cômodo – especialmente no recolhimento a que me entreguei – não pensar nessas coisas nem incomodar- me com elas. Mas não é possível, justamente porque esse meu recolhimento é uma opção definitiva pelo humanismo, um mergulho sem volta nas maravilhas de valores culturais, artísticos, espirituais.

E, quanto mais mergulho nisso, mais me espanto com a couraça com que as pessoas estão se cobrindo, com a maneira insana como estão se enganando a si mesmas, frustrando-se sem se darem conta da origem de suas frustrações e infelicidades.

Não é possível que se transforme a vida numa máquina de contabilidade, que se faça, dos sentimentos humanos, uma página onde se anotem o “ter” e o “haver”. Mais do que nunca, creio eu, a hora é a do coração, a de permitir que o coração pense por nós e não mais a razão, que ficou deformada, viciada, condicionada.

Reparem: as pessoas que estão enlouquecendo, indo atrás de seitas, de muletas psicológicas, de superstições, de patuás. É a alma delas querendo explodir, protestando. Será que não perceberam isso? Mas eu não tenho nada a ver com isso, não é esse o espírito individualista que está por aí? Então, bom dia.

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