Andança nostálgica

Raras vezes voltei a andar pelas ruas centrais de Piracicaba. Nasci e vivi, a maior parte de minha já longa vida, no centro da cidade, que era pequena, linda, bem cuidada e, em especial, civilizada. As pessoas se conheciam, cumprimentavam-se. Crianças brincavam nas ruas. Os cinemas tinham matinês e vesperais, os jardins eram ainda mais enfeitados de moças e rapazes alegres e bonitos. As casas comerciais pareciam extensões de nossas próprias casas, tal a familiaridade com donos das mercearias, das casas de tecidos, de padarias, de farmácias.

Morar na Paulista, até o final dos 1950, era chique, região que, pela imprensa e ainda nos 1920, Leandro Guerrini cantou como a mais refinada da cidade. Depois, Romeu Ítalo Rípoli inventou a Cidade Jardim e, aos poucos, as famílias de mais posses foram povoando-a. Rípoli, para dar testemunho, foi o primeiro a construir sua mansão lá, seguido, acho, do comerciante Joaquim Sérvolo ou do empresário Valentim Valler. A Cidade Jardim começou a mudar Piracicaba, tornando-a mais requintada, coincidindo com a chegada, logo em seguida, de Mauro Pereira Vianna, que inaugurou a coluna social e fez uma revolução de refinamento na cidade. Ele era o Marco Aurélio e já fizemos longas reportagens sobre os Anos Dourados. (V. em Estudos Piracicabanos.)

Mas não era a respeito disso que estou querendo escrever, ainda que motivado por uma estranha nostalgia após uma longa andança pelas nossas ruas centrais. Há bom tempo, não o fazia, pois são poucos os motivos que me levam a estar no velho centro da cidade. Acabei indo, passando em banco, indo à ACIPI. E, de repente, vi-me sem pressa alguma, uma necessidade quase física de ver e rever, de andar, de caminhar silenciosa e atentamente por aquelas ruas.

E vi a esquina onde nasci, onde está o grande banco, ao lado da Catedral, o bar e restaurante de meu pai, o “Café Imperial”. Parei para olhar, vi-me criança naquela rua, aguardando Nhô Lica retornar do rio ou, ao meio da tarde, descendo a rua Moraes Barros para ir ao Regatas com meu pai. Vi a Catedral, que era matriz, onde fui batizado já na primeira hora de meu nascimento. E vi a Praça José Bonifácio, tomada pelo corre-corre de pessoas que, parece, nunca conseguirão imaginar o que era ficar apenas sentado em banco de jardim, tomando sorvete na esquina, conversando com amigos, namorando, flertando, paquerando. Onde está o Itaú, numa daquelas portas, era a Bombonnière do Passarela, refúgio de namorados.

Vi, na rua São José, o lugar onde morei grande parte da minha infância, em frente ao Bradesco que era o restaurante da moda, a Nova Aurora. Vi os cines Broadway e o São José, onde a juventude viu filmes inesquecíveis, marcos de divisão social: os pobres e os negros, no São José; ricos e estudantes, no Broadway. Na rua Alferes, esquina da 13 de maio, era o prédio do Correio. Está intato, transformado em lanchonete. No meio do quarteirão, morava Leopoldo Dedini, o todo poderoso, onde ainda reside sua viúva, dona Dulce. Na esquina da Santo Antônio, o palacete de Mário Dedini, cujas luzes faíscavam em noites de festa, ponto de encontro de homens de cultura, de políticos, de empresários, de governantes. João Chiarini morava na esquina da Voluntários, a casa humilde que recebeu a visita de grandes escritores e artistas.

Mais do que andar, acho que palmilhei as ruas, tomado de uma nostalgia esquisita, dolorosa, a certeza de um mundo ter-se acabado. Cadê o Hotel Central, o Hotel Lago, o Teatro Santo Estevão, cadê o feérico do Coronel Barbosa? Cadê a garaparia da dona Antonieta, a funerária do Libório, as linhas dos bondes? Cadê o Tanaka, o Café Imperial, os bares Giocondo e Brasserie, o Senadinho? No jardim do “Moraes Barros” – como o chamávamos – os jovens namoravam às escondidas. Cadê o banco de jardim onde roubei o primeiro beijo da primeira namorada?

Piracicabano de coração deveria andar de joelhos em nossa cidade, pois cada rua tem uma história, cada história retrata um tempo e todos os tempos foram de glórias e conquistas que parecem esquecidas. Minha esperança, a de quem já andou muito e viu mais ainda, é saber que Piracicaba sempre foi superior a períodos de mediocridade que se, ciclicamente, se repetem. Como os atuais. Bom dia.

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