Apelidos, delícias de uma cidade

picture (49)Saber números de telefones passou a ser parte dos nossos infernos pessoais. Pelo menos, dos meus. As listas estão complicadas, quase não mais existem e, por outro lado, já não se fazem mais telefonistas como antigamente. Por exemplo: que telefonista iria fornecer-me o telefone do Tuim Barbeiro ou da Barbearia do Tuim?

Precisei falar com o Tuim. Mas qual o nome dele? Ninguém sabia. Então, a meu lado, alguém me sugeriu pedir informação à irmã dele: “A irmã do Tuim é casada com o Zé do Açougue.” Foi, então, que voltei a compreender a preciosidade de uma cidadezinha do interior de Minas Gerais, cujo nome não me recordo, onde se consultam os telefones pelos apelidos dos assinantes: Zé da Zefa, Chico do Posto, Maria da Banca, Farmácia do Pedro. Até já escrevi sobre isso, pois descobri o tesouro durante uma entrevista que dei ao Amaury Jr.

Enricaria quem o fizesse em Piracicaba. Por bairros. Por exemplo: Lista do Pisca, dos Dois Corgo, de Chicó, do Paiero. Permitiria, então, até mesmo um estudo da riqueza dos apelidos em Piracicaba, menos preciosa apenas do que a de Tietê. Conta-se até a história do cidadão que apostou com o amigo: iria a Tietê, ficaria dois dias, voltaria sem apelido. Foi, trancou-se num quarto de hotel. Contentou-se em, de quando em quando, espiar, pela janela, o jardim central. Passados dois dias, pediu a conta. O recepcionista gritou: “O Cuco já tá indo embora.” Em Piracicaba, não é tanto. Mas acontece.

Ruas do centro da cidade testemunham essa nossa riqueza tão genuinamente caipira. Basta lembrar como era há poucos anos. Portalarga? Que nada: lá era a “loja do Salim”. Na outra esquina, a Relojoaria Gatti teve duas fases. Na primeira, foi a “loja do Lico, pai do Rodolfo”. Depois, a “loja do Rodolfo”. Agora, acabou. Mas , distante poucos metros, duas lojas de sapatos permitiam confusão: Casa Nelly e Casa Henrique. Pois, a Casa Nelly, de Joaquim Sérvolo, era, também, a “casa do pai do Henrique”. Só que o Henrique, filho do Joaquim, não era o mesmo Henrique da Casa Henrique. Mais fácil foi a Casa Peu: de “casa do Peuzinho”, passou a “casa do Peu”, ficou Casa Peu. Isso, sem falar da Tite & Atílio que se transformou em duas: uma, “Tite Sem Atílio”; outra, “Atílio em Tite”.

Por aqui, tudo é encantador, tudo tem nome. Para comer, há o “cuscuz do Hélio”, “piapara do Chevette”, “sanduíche do Claudinho”. E a “manjubinha do Mané”, o “lambarizinho da Mônica”. Havia os “pastéis do Mário Japonês” e, no Mercado, a banca da “Maria Portuguesa”. Bebe-se caipirinha, mas com a “pinga do Babico”, eterna saudade. Até usina de açúcar tinha nome do dono: “usina do Raul Coury”, “usina do Celsinho”, “usina do Rubinho”. A zona era “casa da Ruth” e, por maldade política, adversários do Romeu Italo Rípoli batizaram-na com o nome dele: “Ripolândia”, uma história que já contei. Falando em futebol, sei lá que fim deu aquele novo time de futebol, “o time do Genaro”, lembram-se?

Tivemos o “Vicente Bilheteiro”, “Antonieta Garapeira”, “Tico da Farmácia”. E temos a “Farmácia do João Sachs”, “Farmácia do Zé Cançado”, “Farmácia do Zezinho da Vila”. E temos o “Dito Alfaiate”. E igrejas? “Igreja dos Frades”, “Igreja das Freiras” e a “Igreja do Monsenhor Jorge”, que glória maior? Até “curva do Bispo” existe. Na entrada de Águas de São Pedro, o carro de D.Aníger capotou duas vezes no mesmo lugar, a curva ficou com o nome dele.

Piracicaba merece uma lista especial, com telefones mágicos. Afinal de contas, em nenhuma cidade do mundo Luiz Vicente de Souza Queiroz seria conhecido como “Lulu”. Vivo ele estivesse, a ESALQ seria, com toda certeza, a “Escola do Lulu”. Esta cidade é uma delícia. E bom dia.

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