Apenas uma sugestão

João Chaddad é, inegavelmente, um dos grandes arquitetos de Piracicaba e profundo conhecedor de nossa estrutura urbana. Nisso, há um bem e alguns males. Pois João Chaddad – com quem tenho laços fraternais e de famílias unidas ancestralmente – acompanha os prefeitos de Piracicaba desde Luciano Guidotti, em sua segunda gestão. Talvez, apenas no governo do PT, de José Machado, João Chaddad tenha estado ausente, ainda que sempre participando de reuniões e de estudos.

Por diversas vezes, com carinho, referi-me a João Chaddad como “meu ídolo”. Já há algum tempo, não o faço mais. E ele sabe porquê, ainda que nossos laços permanecem amistosos e de muito respeito. Na verdade, há uma questão vital a ser considerada na vida das pessoas: coexistir é preciso; conviver é questão de escolha. Não posso conviver com João Chaddad, em discussões e até mesmo nos sonhos por Piracicaba, já que ele fez uma escolha de companheiros com os quais, decidida e definitivamente, não posso conviver. Pois já me é árduo demais ter que coexistir com eles na mesma cidade.

Em Nova York, o prefeito Bloomberg – depois de ter completado a “tolerância zero” imposta pelo antecessor Giuliani – decidiu radicalizar em favor da população, do humano, das pessoas. E lá está o fantástico Times Square proibido para tráfego de veículos, em decisão que tirará 30% da circulação de agentes poluidores da Big Apple. É certo que Piracicaba não é Nova York, mas, convenhamos, está sendo demais e absurdo o privilégio que se faz a automóveis e veículos em total prejuízo da população. Rotatórias, pontes, alargamento de ruas em prejuízo de calçadas, abertura do centro antigo para tráfego de veículos, a visão caolha de o motorista ser mais importante do que o pedestre, convenhamos que isso é ultrapassado e revelador de uma administração obsecada por realizar obras e mais obras, diante do silêncio complacente da Câmara de Vereadores.

Obras demais e sem justificativas pelo menos razoáveis que dêem um mínimo sentido moral à sua realização permitem elubrucações. Uma delas, que me fascina, está na obra de Harold Lassewell, “Política: quem ganha o quê, quando, como”. Por aqui, quem está ganhando são empreiteiras, empresas que se instalam em lugares privilegiados, condomínios, empreiteiros, amigos do rei e sabe-se lá quantos, quem, quando, como e o quê na Corte. O povo está perdendo em qualidade de vida, na saúde, na educação, na organização social, na segurança. João Chaddad devia saber disso, já que aceitou estar no mesmo barco. Mas tem lá, também, as suas obras pessoais para tocar.

No entanto, não é a leitura desse livro a minha sugestão. Pois há um ainda mais admirável, que serve a João Chaddad como arquiteto, ao pessoal do Ipplap, um livro que muitos, do instituto, já devem ter lido: “ A Cidade na História”, de Lewis Mumford. Nessa obra prima, qualquer tolo irá perceber que, na atual administração e na paixão de João Chaddad por ceder espaço aos automóveis, Piracicaba deixou a História. Saímos dela, regredindo. A nova história se faz com a revolução urbana em favor do homem, da qualidade de vida, tendo as famílias como o centro de tudo. Tem sido assim desde as cavernas. Em Piracicaba, em relação à mentalidade governamental, voltamos ao tempo anterior ao neolítico, que é quando deve ter nascido a primeira crueldade precursora e antecessora do capitalismo individualista. Há um grupo especialíssimo vinculado à Prefeitura que participa, usufrui de decisões e até as propõe.

Na verdade, na verdade, o que eu queria sugerir a João Chaddad e aos seus colegas de governo é que, num final de semana qualquer – antes de inventarem novas rotatórias, novas expulsões do povo das calçadas – eles alugassem um ônibus e fossem a São Paulo assistir à peça “Happy Hour”, com Juca de Oliveira e texto dele mesmo, direção de Jô Soares. Lá está, completo e acabado, o “castigat mores ridendo”, “catigo os costumes rindo”, expressão surgida a partir da máscara de Arlequim.

Juca de Oliveira faz filosofia pura em uma sátira impecável. Estamos todos lá, especialmente governantes que não enxergam o povo e que privilegiam automóveis. É de chorar de rir. Mas, também, chorar de tristeza. Acho que João Chaddad e seus colegas de governo, em vez de chorar, teriam risinhos amarelos. Como crianças pegas com a mão em prato de doces. Bom dia.

Deixe uma resposta