Apologia ao mau gosto

Minha invencibilidade foi quebrada no último capítulo da novela “Avenida Brasil”. Eu não assisti a sequer uma cena do folhetim que apaixonou milhões de brasileiros. Cheguei até a pensar estar entre um dos poucos que nada vira da novela, desconhecendo quem fosse Carminha, Tufão e mesmo o tal Divino. No último capítulo, minha mulher insistiu para que eu lhe fizesse companhia e visse o final da trama. E vi, perdendo a invencibilidade.

No entanto, não fiquei alheio aos comentários, análises e até debates que se fizeram sobre a novela, inegavelmente um fenômeno de audiência. Para muitos dos analistas, ela retratava um novo Brasil, emergente e feito de contradições. Para outros, era um espelho da chamada “nova classe média” brasileira. Ora, se uma novela consegue espelhar a alma de uma nação, ser reflexo de uma classe social que passa a ser dominante – há que, portanto, haver preocupações mais sérias e voltarmos à grande questão: a arte imita a vida, a vida imita a arte?

No capítulo que vi – sem entender a trama, mas sabendo, pela rama, de seus desdobramentos – encontrei, pelo meu ponto de vista, uma verdadeira apologia do mau gosto. E, pelo que tenho sido informado e visto em veículos de comunicação e estudiosos, esse mau gosto se espalhou por nossa sociedade, beirando o patético e o surreal: mulheres que se vestem exuberantemente, nunca se sabendo se estão saindo de ou indo a baladas; homens desleixados, desrespeitos e exibicionismos. Seria essa a nova classe média brasileira?

Há pensadores, no mundo todo, retomando o pensamento de Marx e revendo-o, reconhecendo-lhe razões até mesmo na economia. E foi o gênio de Marx que sentenciou: “A cultura dominante é a cultura da classe dominante”. Portanto, se a nova classe média tiver sido representada pela novela da Globo – numa apologia ao mau gosto, aos instintos, à falta de regras – o Brasil está a perigo. Não podemos mais aceitar e admitir que noções de classes sociais sejam determinadas apenas pela capacidade de consumo. Pois nem sempre consumidores são verdadeiros cidadãos. Há que se acreditar em cidadãos verdadeiros que sejam, também, consumidores.

Uma classe média sólida – em cultura, em princípios, em valores, em regras civilizatórias – é o esteio de uma nação. Definida apenas pela sua capacidade de consumo, essa classe será frágil, instável, dependente das oscilações da moeda e das artimanhas do mercado. Tomara “Avenida Brasil” venha a ser entendida apenas como um folhetim inspirado em realidades fragmentadas de um determinado estrato social. E nada mais do que isso. Pois a apologia do mau gosto acabará, inevitavelmente, redundando na apologia do próprio mal. Bom dia.

1 comentário

  1. Henrique Servolo em 23/10/2012 às 16:33

    Prezado Cecílio!
    faço suas as mnhas palavras!

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